
Eclipse de luna en el cielo / Ausencia de luz en el mar / Muy solo con mi desconsuelo / Mirando la noche me puse a llorar. (Lecuona)
Há dias em que é difícil escrever. Há ideias, no entanto tudo o que se escreve parece tão sem sentido.
E sem sentido no mau sentido. Porque muitas ideias que parecem malucas, postas no papel e bem desenvolvidas resultam em ótimos textos, ainda que sem sentido. E aqui sem sentido no bom sentido.
Às vezes penso que Garcia Marquez começava a escrever sem nenhuma ideia e as palavras iam saindo por livre vontade e se juntando, formando linhas, capítulos e livros.
E depois que o lemos nunca mais podemos esquecer seus personagens, de tão marcantes que são – um exemplo são os membros da família Arcadio Buendia, da cidade de Macondo, as mulheres fantásticas dessa família, o cigano Melquíades, todos de Cem Anos de Solidão.
E assim outros romancistas que nos fascinam com suas estórias absolutamente fantásticas, mas de tamanha consistência que não conseguimos parar de ler antes do final.
Mas, para quem não é escritor, apenas se aventura a alinhavar letras desafiando a falta de talento, não é assim tão fácil. Nem simples.
Por mais palavras que se joguem no papel, nada surge. E aí aparece a maior indagação da humanidade, referente à origem de tudo, porque se do nada nada surge, de onde surgimos nós?
O que era antes? o que será depois? de onde eu vim? para onde eu vou? E a pior de todas: onde eu estou?
Em torno dessas indagações é possível passar dias e noites (especialmente noites, principalmente em redor de uma mesa bem frequentada, com cervejinha ou bom uísque, alguns petiscos etc.). É a delícia dos filósofos de botequim, categoria a que me orgulho de ter pertencido por largos anos. Ótimos anos. E as duas últimas perguntas eram inevitáveis para aqueles que não conseguiam parar de beber quando ainda podiam se localizar no tempo e no espaço. Nessa categoria, felizmente, eu não me incluía.
Mas, como na vida tudo passa (nas palavras do amigo Ivan, especialmente o tempo e o ferro, que são os que mais passam), também meus tempos de botequim se acabaram, os filósofos companheiros de copo e de mesa se desfizeram no ar e sumiram na vida e se tornaram doces lembranças.
E assim, da falta de ideia e da falta de assunto, de vez em quando dá até para arriscar escrever uma crônica.
(06/05/09)
(Imagem: foto de Maria Alice)
(06/05/09)