Dia de poesia – Domingos Carvalho da Silva – Poema Explicativo

Inúteis são os voos. 
Inúteis são os pássaros.
Silenciosas sombras tudo extinguem.
Como as vagas de um mar longínquo e frio,
são de inúteis palavras estes versos,
pois o calado tempo esmaga tudo.
Moro num rio inútil que caminha
entre margens de musgo e subalternas
pontes e águas que reflectem
estrelas, luminárias, desencanto.
Os peixes não obstante já não dormem.
São inúteis os sonhos e as amarras
que nos prendem ao cais.
E o sangue que nos leva
em artérias eléctricas de desejo.
Já somos todos poetas — e a poesia é inútil —
antepassados simples de um futuro
remoto onde seremos sinais na rocha, apenas.
Germinará o trevo entre os alexandrinos
e nenhum pássaro compreenderá o sentido
das páginas dispersas sobre a areia.
Estas palavras nuas se transformarão
em pó, em lodo, em traças e raízes.

(Imagem: foto de Maria Alice)

Não chores por teus mortos – Desconheço a autoria

Sabias que quando choras pelos teus mortos, choras por ti e não por eles?
Choras porque os "perdeste", porque NÃO os tens ao teu lado.
Achas que tudo termina com a morte.
E achas que eles já não estão.
Então, se os teus mortos já não estão, onde estão? 
Se eles se foram, ou agora estão noutro lugar, esse lugar é melhor do que este?
Sim, definitivamente esse lugar é melhor do que este. 
Então por que sofres com a partida deles?
Quando acabares por aceitar que eles já “NÃO estão aqui”, mas que eles estão noutro lugar ainda melhor do que este, pois onde eles estão já não estão doentes nem a sofrer, então vais parar de chorar e recuperá-los na memória para que eles te continuem a acompanhar com a alegria de tudo que já viveram.
Não morras com os teus mortos.
Revive-os no teu coração.
Se tu realmente os amavas, VOLTA a amá-los e desta vez com maior força, com maior pureza. Com maior entrega.
Bem, não haverá mais censuras de nenhum tipo.
Só o amor será a essência entre vocês, entre eles e nós - a essência do amor incondicional.
Agora o teu amor será puro e incondicional.
Já não os amamos por necessidade ou medo.
Nós respeitamos a tua dor, e a tua maneira de a expressar. 
Nós sabemos que choras e chorarás sem consolo.
Mas... 
Hoje nós dizemos-te:
Não morras com os teus mortos. 
Deixa-os partir, como partem as andorinhas no Outono, para nidificarem noutros climas e voltarem mais numerosas e crescidas, noutra Primavera.
Deixa-os voar para a Fonte do Amor de que estão ansiosos por partilharem connosco.
Enxuga as tuas lágrimas e ama-as.
Lembra-te que nós só estamos a ver um lado da moeda. 
Não estamos a ver o outro lado.
Nós não estamos a ver o lugar maravilhoso de luz onde eles estão.
Que tal começarmos a ver a “morte” como um segundo nascimento?
Segundo Nascimento pelo qual TODOS passaremos.
Nascimento este que nos une, aqui e além.
Não morras com os teus mortos... honra-os vivendo a tua vida como eles gostariam que tu fosses.

(Imagem: banco de imagens Google)

Da série “Foi poeta, sonhou e amou na vida” – 23 – Sophia de Mello Breyner Andresen

Sophia de Mello Breyner Andresen nasceu a 6 de novembro de 1919 no Porto, onde passou a infância. Entre 1939-1940 estudou Filologia Clássica na Universidade de Lisboa. Publicou os primeiros versos em 1940, nos Cadernos de Poesia. Em 1944 sai, em edição de autor, o seu primeiro livro de poemas, Poesia, título inaugural de uma obra incontornável que a torna uma das maiores vozes da poesia do século XX.

Os seus livros estão traduzidos em várias línguas e foi muitas vezes premiada, tendo recebido, entre outros, o Prémio Camões 1999, o Prémio Poesia Max Jacob 2001 e o Prémio Rainha Sofia de Poesia Ibero-Americana – a primeira vez que um português venceu este prestigiado galardão.

Com uma linguagem poética quase transparente e íntima, ao mesmo tempo ancorada nos antigos mitos clássicos, Sophia evoca nos seus versos os objectos, as coisas, os seres, os tempos, os mares, os dias. Na sequência do seu casamento com o jornalista, político e advogado Francisco Sousa Tavares, em 1946, passou a viver em Lisboa. Foi mãe de cinco filhos, para quem começou a escrever contos infantis.

Em termos cívicos, a escritora caracterizou-se por uma atitude interventiva, tendo denunciado activamente o regime salazarista e os seus seguidores. Apoiou a candidatura do general Humberto Delgado e fez parte dos movimentos católicos contra o antigo regime, tendo sido um dos subscritores da «Carta dos 101 Católicos» contra a guerra colonial e o apoio da Igreja Católica à política de Salazar. Foi ainda fundadora e membro da Comissão Nacional de Apoio aos Presos Políticos. Após o 25 de Abril, foi eleita para a Assembleia Constituinte, em 1975, pelo círculo do Porto, numa lista do Partido Socialista. Foi também público o seu apoio à independência de Timor-Leste, conseguida em 2002.

Faleceu a 2 de julho de 2004, em Lisboa. Dez anos depois, em 2014, foram-lhe concedidas honras de Estado e os seus restos mortais foram trasladados para o Panteão Nacional.

No dia em que se celebrou o centenário do seu nascimento, a 6 de novembro de 2019, é-lhe concedido a título póstumo o Grande-Colar da Ordem Militar de Sant’Iago da Espada. (Fonte: Porto Editora)

O MAR DOS MEUS OLHOS
Há mulheres que trazem o mar nos olhos
Não pela cor
Mas pela vastidão da alma
E trazem a poesia nos dedos e nos sorrisos
Ficam para além do tempo
Como se a maré nunca as levasse
Da praia onde foram felizes

Há mulheres que trazem o mar nos olhos
pela grandeza da imensidão da alma
pelo infinito modo como abarcam as coisas e os homens…
Há mulheres que são maré em noites de tardes…
e calma
 

O Poema

O poema me levará no tempo
Quando eu já não for eu
E passarei sozinha
Entre as mãos de quem lê

O poema alguém o dirá
Às searas

Sua passagem se confundirá
Com o rumor do mar com o passar do vento

O poema habitará
O espaço mais concreto e mais atento

No ar claro nas tardes transparentes
Suas sílabas redondas

(Ó antigas ó longas
Eternas tardes lisas)

Mesmo que eu morra o poema encontrará
Uma praia onde quebrar as suas ondas

E entre quatro paredes densas
De funda e devorada solidão
Alguém seu próprio ser confundirá
Com o poema no tempo

Poema de Carla Casolari

Non sono più quella persona
sono un'altra,
fatta di vento
di abbandoni
di urla e di paure,
di parole che mi hanno tagliato i polsi
di illusioni perdute e mai ritrovate.
Non sono più quella persona. 
l'ho cercata a lungo, con cura,
se n'è andata insieme a quella parte di me 
che credeva alle favole.
Nessun lieto fine. Nessun inizio. Solo partenze.

(da página “Gabriel Garcia Marques e non solo)

Escola (Memória)

As escolas começaram com um homem embaixo de uma árvore, que não sabia que era professor, discutindo suas percepções com uns poucos que não sabiam que eram alunos.(Louis Kahn)

Interessante essa ideia da origem da escola – e do professor e do aluno.

Em que momento surgiu a escola, ou a ideia de escola, se, desde o primeiro momento da vida se começa a aprender – e há alguém a nos ensinar?

Ou escola é só aquela formal, quando o professor se propõe, como missão de vida, a ensinar a vários alunos?

Todos somos alunos e somos professores nessa vida.

A mãe é a primeira e grande mestra. Praticamente ensina ao filho, desde seu nascimento, tudo o que ele precisa saber para viver nesse mundo hostil fora de seu útero.

Então já nascemos alunos.

Mas ensinamos à mãe o que é o amor de um filho, o que é a alegria de um lar. Daí nos tornamos professores.

Os irmãos se ensinam. Tudo. Desde amizade, camaradagem, agressão e defesa pessoal, até as mais difíceis equações da matemática.

Entre irmãos somos professores e alunos.

A pessoa mais simples, com menos estudo possível, poderá ser sábia, e nos dar grandes lições de vida e resiliência. Mais sabedoria que muito professor titulado.

E tudo o que sabemos, ainda que pouquíssimo, poderemos ensinar àqueles que sabem ainda menos do que nós.

Às vezes um pequeno gesto ensina mais que muita profusão de estudos e palavras complicadas.

Aprendemos com as pessoas, na família, no trabalho, no ponto de ônibus, na praia…

Ensinamos por todos os lugares pelos quais passamos. Podemos até mesmo ensinar o que nem sabíamos saber.

De que adianta aprender e saber se não for para ensinarmos?

Qual a finalidade de se guardar tudo o que se aprende?

E, quanto mais ensinamos, mais aprendemos.

Quanto mais dividimos o que sabemos, mais adquirimos saber.

Hoje não há mais escolas. Cada um pega seu computador e vai para um canto. Não sabemos se os denominados alunos estão aprendendo. Só avaliaremos essa situação daqui uma década ou duas, quando esses alunos forem os profissionais de amanhã.

Mas aquele homem, aquele primeiro homem que resolveu formalmente dividir suas dúvidas com seus amigos, estava personificando a mais nobre ação que um ser pode desenvolver: ensinar.

(Imagem: foto de Miguel Angelo Barbosa)