És o meu livro.
E eu, o teu.
Leio-te, releio-te, tresleio-te.
E a mim te abro
As páginas em branco
Para que me inscrevas em ti.

(Quadro de Edward Hopper)
A todas as pessoas que passaram pela minha vida; às que ficaram e às que não ficaram; às pessoas que hoje são presença, àquelas que são ausência ou apenas lembrança…
És o meu livro.
E eu, o teu.
Leio-te, releio-te, tresleio-te.
E a mim te abro
As páginas em branco
Para que me inscrevas em ti.
(Quadro de Edward Hopper)
Na véspera de nada Ninguém me visitou. Olhei atento a estrada Durante todo o dia Mas ninguém vinha ou via, Ninguém aqui chegou. Mas talvez não chegar Queira dizer que há Outra estrada que achar, Certa estrada que está, Como quando da festa Se esquece quem lá está.
(Imagem: Ilustração de Ilustr. S. Hee – Correia do Sul, 1963)
Quando um pai não supera a morte de uma filha…
Demain, dès l’aube, à l’heure où blanchit la campagne, Je partirai. Vois-tu, je sais que tu m’attends. J’irai par la forêt, j’irai par la montagne. Je ne puis demeurer loin de toi plus longtemps. Je marcherai les yeux fixés sur mes pensées, Sans rien voir au dehors, sans entendre aucun bruit, Seul, inconnu, le dos courbé, les mains croisées, Triste, et le jour pour moi sera comme la nuit. Je ne regarderai ni l’or du soir qui tombe, Ni les voiles au loin descendant vers Harfleur, Et quand j’arriverai, je mettrai sur ta tombe Un bouquet de houx vert et de bruyère en fleur.
Veio com brisa tão leve - Uma pluma a flutuar Não tinha nenhum destino Só um desejo: passar E como se fosse um beijo Roubado sem um abraço Deixou o rastro apertado De um nó onde fora laço Se não podia ficar Se era só de passagem Por que ficou tanto tempo Antes de seguir viagem? Não há antes nem depois Só o instante da magia Daquele beijo furtivo Mas dado com maestria Uma passagem tão breve Deixou a fieira de pena Que traz de volta a saudade Ao sentir a brisa serena Passou o tempo cruel E o trinco da madrugada, Chegado o fim do caminho Então não resta mais nada
(Imagem Wattpad)
Um turbilhão vindo de lugar desconhecido Turvou-me a alma, tirou-me o chão, fez o escuro. Tumulto no sentir, no pensar, sem ação. Uma vida esboçada que não aconteceu. Um botão de flor morto sem desabrochar. Eu fui nada, fui espera e fui amor. Agora novamente não sou nada. Nada sou, nada espero, nada amo. Sou a escuridão que precede a luz que não vem. Sou a eterna madrugada onde nunca amanhece.
(Imagem: banco de imagens Google)
Ele partiu. Tão doce e suavemente como viveu.
Há muitos anos, tornei-me sua estagiária. E instantaneamente ele se tornou meu ídolo – Promotor de Justiça, sério, dedicado, idealista, era tudo o que eu queria ser também.
Ele me guiou. Com paciência de santo e amor de pai, foi me preparando para ser uma Promotora de Justiça.
Eu, em minha mesinha ao lado de sua grande mesa, sentada a sua direita no gabinete do Fórum em Presidente Prudente, mês após mês, fomos nos tornando amigos. Ele era leve, engraçado, cheio de histórias para contar. Era professor na Faculdade de Direito e exercia essa função comigo, ensinando tudo o que eu precisava aprender para trabalhar ali e me preparar para o concurso.
Levou-me para sua casa. Sua esposa – minha querida dona Glória – acolheu-me com amor. Uma grande amizade floresceu. Tornaram-se meus padrinhos.
Foram décadas de convivência, algumas festas, viagens, conversas sérias e nem tão sérias. Muitas risadas. Algumas lágrimas. Muitos abraços e muito amor.
Ontem eu fui até lá para vê-lo. Ele não me viu. Mas sei que me ouviu. Ainda tive a alegria de ficar um pouco com ele.
Mas, antes que hoje amanhecesse, ele se foi. Cercado pela esposa, filhos e netos.
Pela segunda vez em um mês de maio eu me vi órfã. Há três anos meu pai nos deixou. Hoje foi a vez de meu padrinho, meu segundo pai. Agora estou definitivamente órfã de pai.
A dor é grande. Sei que sentirei falta de sua alegria, seus conselhos, suas observações… e de todo aquele carinho que ele sempre teve comigo.
Um dia estaremos novamente todos juntos, uma só grande família, ainda que em outro plano. Uma vida só foi pouco para tanto amor.
(Imagem: foto pessoal do arquivo de Maria Alice)