Perdida no calendário

Às vezes, de maneira inesperada, a realidade se torna divertida.

Mesmo que a vida esteja bem sem graça, sem encanto, algumas situações nos fazem rir. E só isso já traz leveza.

Quando atravessamos o período de lockdown, ficamos um pouco “perdidos” no calendário. Os dias se tornaram tão iguais que já não havia utilidade em saber se era segunda-feira, sábado ou domingo… e os dias e as noites se tornaram tão iguais, que podíamos dormir a qualquer hora, comer sem preocupação com horário…

Todos nos perdemos nos dias e nas horas. Era quase cômico tentar lembrar dia da semana e do mês. Porque era só confusão. Somente quando se conferia no computador ou no celular se descobria a data exata…

Durante o tempo de isolamento eu publiquei um livro sobre esse período exótico (2020 – O ano que não vivi), e a capa, ilustrada pelo querido Beto Júnior, trazia um calendário amassado. Algumas pessoas leram (ou dizem que leram) o livro, mas não leram a capa. Então mais de uma vez recebi o comentário: “li seu livro “Calendário” e …”

O nome do livro não era calendário, mas “2020 – O ano que não vivi”. O calendário apenas o ilustrava… dei muita risada – aliás, era um tempo em que eu ainda ria…

Agora estou, há dias, em completa falta de sintonia com o calendário. Tenho certeza de que dia do mês é hoje, mas quando estou diante do computador vejo que estou errada. Não é o dia que pensei.

Já estava começando a ficar preocupada – Alzheimer, demência senil? – mas hoje, quando olhei no calendário e vi que estava enganada quanto ao dia do mês, ao mesmo tempo em que ligava o computador, olhando para a tela vi marcado outro dia do mês.

Aí confundiu tudo. E até agora só bebi água, café e suco de laranja… não há motivo para estar confusa.

Busquei o celular. E BINGO! O computador – nosso oráculo moderno – estava certo.

Peguei o calendário e fui conferir se, por acaso, eu o deixei aberto em mês errado. Mas não. Olhei com bastante atenção – Março 2023.

Aí conferi a tabelinha dos dias – o calendário foi impresso errado. O mês não começou em uma quarta-feira para a gráfica. Iniciou a impressão do mês em dia diferente, então todo o mês está errado – o dia do mês não coincide com o dia da semana.

Não sei se ri de achar engraçado, de alívio ou de nervosa, pensando nas correrias pelas contas que paguei em dias errados até aqui. Mas tive a certeza de que não há risco de Alzheimer nem de demência senil. Ao menos por enquanto.

(Imagem: foto do acervo da autora)

Hoje, Dia Mundial da Poesia

Qual a mais bela poesia já escrita? – pergunto-me neste dia 21 de março, em que se comemora o Dia Mundial da Poesia.

Quem foi o maior poeta de todos os tempos? Algum famoso, algum anônimo, alguém muito famoso ou um ilustre desconhecido?

Há poesias belíssimas. Poesias feinhas. Poesias emocionantes. Poesias chatinhas… e nem toda poesia é poética… e alguns textos não poéticos que são verdadeiras poesias.

Não existe poeta sem poesia. Mas existe poesia sem poeta.

Porque o poeta apenas transcreve a poesia que existe em algum lugar – dentro ou fora dele.

A poesia está na alma, no sangue, no querer, no sofrer. E está no ar. No mar. Na natureza. Nas relações humanas. Nos sons. Nos céus.

Em todo lugar há poesia. Até na dor.

A ideia de uma Beatriz descendo do Paraíso para pedir ao poeta Virgilio que guie seu amado Dante para fora do inferno já é, em si, uma poesia  extrema.

E, depois da peregrinação pelos círculos do inferno, o ingresso e a passagem pelo Purgatório, com encontro de tantos conhecidos, finalmente o Poeta chega ao Paraíso, onde a alma de Beatriz o espera.

O amor de Beatriz o leva à redenção. O que de mais poético do que essa simples ideia?

Isso é poesia.

Exilado, para não ser queimado vivo em Florença, o poeta Dante se retirou para Ravena, onde faleceu e ali está seu túmulo. Entretanto, em Firenze, na lateral da nave da Basílica Santa Croce, foi construído um túmulo para ele, onde se encontra uma escultura que emociona: debruçada sobre a tumba, a Poesia chora a morte do Poeta, em um túmulo condenado a ser vazio…

Os sonetos de Camões. Por obra do fidalgo D. Gonçalo Coutinho, ocorreu a primeira homenagem ao grande poeta, agora já morto: em 1595 mandou preparar a primeira edição da lírica do poeta e ordenou que seus restos mortais fossem transladados para a nave central da Igreja de Sant’Anna, onde repousam sob a lápide com a inscrição “Aqui jaz Luís de Camões, Príncipe dos poetas de seu tempo: viveu pobre e miseravelmente e assim morreu. Esta campa lhe mandou aqui pôr D; Gonçalo Coutinho, na qual se não enterrará pessoa alguma”. Depois do desmoronamento da referida Igreja, no terremoto de 1755, seus restos mortais acabaram sendo transferidos para Lisboa, onde repousa no Mosteiro dos Jerônimos, ao lado do túmulo de D. Sebastião. (Fonte: Até que o amor me mate, de Maria João Lopo de Carvalho).

E tantos os poetas, e tantas as poesias.

Neste dia mundial da poesia deixo aqui um soneto, poesia na mais pura forma, escrito pelo insuperável Luís Vaz de Camões,  um dos maiores escritores de língua portuguesa e ainda, um dos maiores representantes da literatura mundial, mundialmente conhecido, escrito para usa amada prematuramente falecida:

Alma minha gentil, que te partiste
Tão cedo desta vida descontente,
Repousa lá no Céu eternamente
E viva eu cá na terra sempre triste.

Se lá no assento etéreo, onde subiste,
Memória desta vida se consente,
Não te esqueças daquele amor ardente
Que já nos olhos meus tão puro viste.

E se vires que pode merecer-te
Alguma cousa a dor que me ficou
Da mágoa, sem remédio, de perder-te,

Roga a Deus, que teus anos encurtou,
Que tão cedo de cá me leve a ver-te,
Quão cedo de meus olhos te levou.

(Imagens: banco de imagens Google)

Da série “Foi poeta, sonhou e amou na vida” – 22 – Cecília Meireles

Cecília Benevides de Carvalho Meireles nasceu no Rio de Janeiro no dia 7 de novembro de 1901. Perdeu o pai poucos meses antes de seu nascimento e a mãe logo depois de completar 3 anos. Foi criada por sua avó materna, a portuguesa Jacinta Garcia Benevides.

“Aprendi com as primaveras a deixar-me cortar e a voltar sempre inteira.”

Cecília Meireles fez o curso primário na Escola Estácio de Sá, onde recebeu das mãos de Olavo Bilac a medalha do ouro por ter feito o curso com louvor e distinção. Em 1917 formou-se professora na Escola Normal do Rio de janeiro. Estudou música e línguas. Passou a exercer o magistério em escolas oficiais do Rio de Janeiro.

Em 1919, Cecília Meireles lançou seu primeiro livro de poemas, “Espectros” com 17 sonetos de temas históricos. Em 1922, por ocasião da Semana de Arte Moderna ela participou do grupo da revista Festa, ao lado de Tasso da Silveira, Andrade Muricy e outros, que defendia o universalismo e a preservação de certos valores tradicionais da poesia. Nesse mesmo ano, casou-se com o artista plástico português Fernando Correia Dias, com quem teve três filhas.

“Eu canto porque o instante existe e a minha vida está completa. Não sou alegre nem sou triste: sou poeta.”

Entre 1936 e 1938, Cecília lecionou Literatura Luso-Brasileira na Universidade Federal do Rio de Janeiro. Em 1938, o livro de poemas “Viagem” recebeu o Prêmio de Poesia, da Academia Brasileira de Letras. Em 1940 casou-se com o professor e engenheiro agrônomo Heitor Grilo.

Nesse mesmo ano, Cecília lecionou Literatura e Cultura Brasileira na Universidade do Texas. Proferiu conferência sobre Literatura Brasileira em Lisboa e Coimbra. Publicou em Lisboa o ensaio “Batuque, Samba e Macumba”, com ilustrações de sua autoria.

A rigor, Cecília Meireles nunca esteve filiada a nenhum movimento literário. Sua poesia, de modo geral, filia-se às “tradições da lírica luso-brasileira”. Apesar disso, suas publicações iniciais evidenciam certa inclinação pelo Simbolismo e reúnem religiosidade, desespero e individualismo. 

O uso frequente de elementos como o vento, a água, o mar, o ar, o tempo, o espaço, a solidão e a música confirmam a inclinação neossimbolista.

“Se em um instante se nasce e um instante se morre, um instante é o bastante para a vida inteira.”

Somente com o livro Viagem (1939) é que Cecília Meireles ingressou no espírito poético da escola modernista. A poetisa foi cuidadosa com a seleção vocabular e teve forte inclinação para a musicalidade (traço associado ao Simbolismo), para o verso curto e para os paralelismos.

Cecília Meireles cultivou uma poesia reflexiva, de fundo filosófico, que abordou temas como a transitoriedade da vida, o tempo, o amor, o infinito e a natureza. Cecília foi uma escritora intuitiva, que sempre procurou questionar e compreender o mundo a partir das próprias experiências.

Cecília Meireles faleceu no Rio de Janeiro, no dia 9 de novembro de 1964. Seu corpo foi velado no Ministério da Educação e Cultura.

Em 1989, Cecília Meireles foi homenageada pelo Banco Central com sua foto estampada na cédula de cem cruzados novos.

“Meu coração tombou na vida, tal qual uma estrela ferida pela flecha de um caçador.”

(Fonte: ebiografia)

Lua adversa

Tenho fases, como a lua
Fases de andar escondida,
fases de vir para a rua…
Perdição da minha vida!
Perdição da vida minha!
Tenho fases de ser tua,
tenho outras de ser sozinha.

Fases que vão e que vêm,
no secreto calendário
que um astrólogo arbitrário
inventou para meu uso.

E roda a melancolia
seu interminável fuso!
Não me encontro com ninguém
(tenho fases, como a lua…)
No dia de alguém ser meu
não é dia de eu ser sua…
E, quando chega esse dia,
o outro desapareceu…


Canção

No desequilíbrio dos mares,
as proas giram sozinhas…
Numa das naves que afundaram
é que certamente tu vinhas.

Eu te esperei todos os séculos
sem desespero e sem desgosto,
e morri de infinitas mortes
guardando sempre o mesmo rosto

Quando as ondas te carregaram
meu olhos, entre águas e areias,
cegaram como os das estátuas,
a tudo quanto existe alheias.

Minhas mãos pararam sobre o ar
e endureceram junto ao vento,
e perderam a cor que tinham
e a lembrança do movimento.

E o sorriso que eu te levava
desprendeu-se e caiu de mim:
e só talvez ele ainda viva
dentro destas águas sem fim.


Motivo
Eu canto porque o instante existe
e a minha vida está completa.
Não sou alegre nem sou triste:
sou poeta.

Irmão das coisas fugidias,
não sinto gozo nem tormento.
Atravesso noites e dias
no vento.

Se desmorono ou se edifico,
se permaneço ou me desfaço,
— não sei, não sei. Não sei se fico
ou passo.

Sei que canto. E a canção é tudo.
Tem sangue eterno a asa ritmada.
E um dia sei que estarei mudo:
— mais nada.

Dia de poesia – Pippo Bunorrotri – ¿Qué ocurre cuando uno se enamora?

Las cuadrigas del tiempo
corren en el circo del olvido
la tragedia se convierte en comedia
el pánico en audacia
los días en un carnaval de los sentidos
donde las máscaras se ocultan
y la amargura
atrapada en el reflejo del espejo
hechizada se queda.
Enamorarse,
es caminar entre las nubes
besar a la luna
y contarle a las estrellas
la proeza de un beso
la suavidad de una caricia.
(de "El hombre que le susurra a los sentimientos")