Por tudo – Caio Fernando Abreu

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Por tudo que fomos.
Por tudo o que não conseguimos ser.
Por tudo que se perdeu.
Por termos nos perdido.
Pelo que queríamos que fosse e não foi.
Pela renúncia.
Por valores não dados.
Por erros cometidos.
Acertos não comemorados.
Palavras dissipadas.
Versos brancos.
Chorei pela guerra cotidiana.
Pelas tentativas de sobrevivência.
Pelos apelos de paz não atendidos.
Pelo amor derramado.
Pelo amor ofendido e aprisionado.
Pelo amor perdido.
Pelo respeito empoeirado em cima da estante.
Pelo carinho esquecido junto das cartas envelhecidas no guarda- roupa.
Pelos sonhos desafinados, estremecidos e adiados.
Pela culpa. Toda a culpa. Minha. Sua. Nossa culpa.
Por tudo que foi e voou.
E não volta mais, pois que hoje é já outro dia.
Chorei.
Apronto agora os meus pés na estrada.
Ponho-me a caminhar sob sol e vento.
Vou ali ser feliz e já volto.

(Imagem: foto de Maria Alice)

Dia de poesia – Ledo Ivo – Soneto da porta

Quem bate à minha porta não me busca.
Procura sempre aquele que não sou
e, vulto imóvel atrás de qualquer muro,
é meu sósia ou meu clone, em mim oculto.

Que saiba quem me busca e não me encontra:
sou aquele que está além de mim,
sombra que bebe o sol, angra e laguna
unidos na quimera do horizonte.

Sempre andei me buscando e não me achei:
E ao pôr-do-sol, enquanto espero a vinda
da luz perdida de uma estrela morta,

sinto saudades do que nunca fui,
do que deixei de ser, do que sonhei
e se escondeu de mim atrás da porta.

(Imagem: banco de imagens Google)

Mágoas (Memória)

Deixa em paz meu coração, que ele é um pote até aqui de mágoas, e qualquer desatenção, faça não, pode ser a gota d’água… (Chico Buarque)

Mágoas e mais mágoas… quantas mágoas trazemos na alma, de tantas desatenções, de tantas decepções…

Com quantas mágoas se faz uma tristeza?

Difícil fazer de conta que não magoa, fazer de conta que não sente nada… o pote vai enchendo e a qualquer momento transbordará. Por mais delicado que alguém seja, nada impede que outro o magoe profundamente, por egoísmo, por vaidade, para se mostrar superior, em razão de complexo de inferioridade.

E o coração corta e sangra a cada mágoa. E vai ficando cheio de cicatrizes. Alguns são tão magoados que se protegem por uma couraça. Mas estouram da mesma forma, através de terríveis somatizações, porque é impossível não transbordar.

E se temos medicamentos à vontade para as dores do corpo, nenhuma existe para a dor da alma – a mágoa.

Algumas pessoas colecionam cristais, outras, soldadinhos de chumbo. Eu coleciono mágoas. Tenho de todos os tipos, cores e tamanhos. Causadas por tantas e tão diferentes pessoas e ações.

Vivo me policiando para não magoar quem convive comigo. Engulo alguns desaforos, enfrento decepções, mas procuro não magoar. O inverso não ocorre. Às vezes tenho a impressão que as pessoas se dedicam a me magoar. Pouco se importam com minha dor. Não conhecem minha alma.

Mas meu coração, tal como o pote da canção, está à beira de transbordar…

(Imagem: banco de imagens Google)

Da série “Foi poeta, sonhou e amou na vida” – 21 – Alphonsus de Guimarães

Alphonsus de Guimaraens (1870-1921) foi um poeta brasileiro, um dos principais representantes do Movimento Simbolista no Brasil. Marcado pela morte de sua prima e amada Constança, sua poesia é quase toda caracterizada pelo tema da morte da mulher amada. Todos os outros temas que explorou como religião, natureza e arte, de alguma forma, se relacionam com o mesmo tema da morte.

Afonso Henrique da Costa Guimarães, conhecido como Alphonsus de Guimarães, nasceu em Ouro Preto, Minas Gerais, no dia 24 de julho de 1870. Filho do comerciante português Albino da Costa Guimarães e de Francisca de Paula Guimarães Alvim, fez os cursos básicos em Minas Gerais.

Aos 17 anos se apaixonou pela prima Constança, filha do escritor Bernardo Guimarães seu tio-avô. Com a morte prematura da prima, em 1888, o poeta abandona o curso de Engenharia e se entrega a vida boêmia.

Nessa época, Alphonsus de Guimaraens já colaborava no Almanaque Administrativo, Mercantil, Industrial, Científico e Literário do município de Ouro Preto.

Em 1891 resolve viajar para São Paulo com o amigo José Severino de Resende, e Inicia o curso de Direito na Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, entrando em contato com os poetas simbolistas. 

De volta para Ouro Preto, em 1893, continua o curso de Direito na recém-criada Academia Livre de Direito de Minas Gereis, colando grau em 1895.

Alphonsus de Guimaraens viaja para o Rio de Janeiro, onde conhece Cruz e Souza, poeta que já admirava e que junto com Alphonsus, e Augusto dos Anjos se tornariam os principais autores do Simbolismo no Brasil.

De volta a Minas Gerais, em 1906, Alphonsus é nomeado promotor de Conceição do Serro, hoje Conceição do Mato Dentro, ocupando em seguida o cargo de juiz municipal em Mariana. Em 1897, casa-se com Zenaide de Oliveira, com quem teve 14 filhos. Dividiu seu tempo entre as atividades de juiz e a produção de sua obra poética.

Alphonsus de Guimaraens faleceu em Mariana, Minas Gerais, no dia 15 de julho de 1921.

A poesia de Alphonsus de Guimaraens representou significativamente o Simbolismo no Brasil. Projeta-se no panorama literário pelo sentimentalismo e musicalidade de seus versos. 

Os temas predominantes são o amor e a morte. Os sonetos amorosos dirigem-se à sua amada morta, Constança. Alphonsus de Guimaraens faleceu em Mariana, Minas Gerais, no dia 15 de julho de 1921.

(Fonte: ebiografia)

ISMÁLIA

Quando Ismália enlouqueceu,
Pôs-se na torre a sonhar...
Viu uma lua no céu,
Viu outra lua no mar.

No sonho em que se perdeu,
Banhou-se toda em luar...
Queria subir ao céu,
Queria descer ao mar...

E, no desvario seu,
Na torre pôs-se a cantar...
Estava perto do céu,
Estava longe do mar...

E como um anjo pendeu
As asas para voar...
Queria a lua do céu,
Queria a lua do mar...

As asas que Deus lhe deu
Ruflaram de par em par...
Sua alma subiu ao céu,
Seu corpo desceu ao mar...



Dona Mística

Piedosa: o olhar nunca baixou à terra
Fitava o céu, porque era pura e santa ...
Tinha o orgulho fidalgo de uma Infanta
Que entre escudeiros e lacaios erra.

Deusa nenhuma, por mais alta, encerra
Em si, talvez, misericórdia tanta:
Ainda hoje na minha alma se alevanta
Como uma cruz no cimo de uma serra.

Foi-lhe a vida um eterno mês-de-maio.
Cheio de rezas brancas a Maria,
Que ela vivera como num desmaio.

Tão branca assim! Fizera-se de cera ...
Sorriu-lhe Deus e ela que lhe sorria,
Virgem voltou como do céu descera.