
Percebeu, de longe, o movimento no que parecia ser uma sacola de plástico, dessas comuns em mercados, deixada na calçada, encostada no muro.
Assustada, diminuiu bem o passo.
Olhou em volta. Nenhum pedestre nas redondezas. Alguns carros passavam pela rua, que não tinha portas nem portões – grandes muros em cada lado da rua. Nenhum sinal de vida. Exceto por ela, cujo coração já conseguia ouvir batendo, entre o medo e a emoção. E a sacolinha plástica que se mexia.
Sempre tivera um pouco de medo desse trecho do caminho. Não contava para ninguém, com receio das inevitáveis gozações. Eram mais ou menos trezentos metros – três quadras com condomínios fechados em sequência, até atravessar a avenida e a ponte sobre o riacho e entrar no bairro em que morava. Às vezes podia ouvir alguns gritos de crianças brincando do outro lado do muro. Onde nunca pisara e acreditava que jamais entraria. Eram feudos para pessoas de outra classe econômica, que não a sua, pequena trabalhadora-estagiária.
Desde que o pai morrera vinha arrumando subempregos, pois era permitido que menores passassem fome ou entrassem para a vida de crime nesse país, mas jamais tivessem uma carteira de trabalho assinada e adquirissem a dignidade que assumir o próprio sustento pode dar a uma pessoa.
De qualquer forma, a mãe, ela e o irmão trabalhando e ganhando pouco era o suficiente para comerem o mês inteiro. Sem luxo. Contando centavos. Mas sobreviviam.
Já fora feliz. Quando o pai era vivo, ganhava razoavelmente bem, e, juntamente com o salário da esposa, era possível manter a casa e os filhos, e ela ainda tinha o luxo de ter um cachorrinho – que adorava. Piteco, um vira-latas que fora atropelado perto da casa. Ela o socorreu, cuidou dele e ficaram inseparáveis.
Um dia Piteco desapareceu misteriosamente. O pai ainda ajudou a procurar. Mas nunca foi encontrado.
Tinha saudade desse tempo. Saudade do pai. Saudade do Piteco.
A sacolinha se mexeu com mais força e deu um “tranco”.
Parou assustada. Não sabia se voltava correndo, se corria em direção à casa ou se chegava perto.
O coração disparou de vez. Ficou sem fôlego. Foi andando quase no meio-fio, apavorada.
Quando chegou na frente do estranho pacote, escutou um som fraquinho. A curiosidade venceu o medo. Aproximou-se e cutucou a sacola – que continha um pano dentro, usando a ponta da sombrinha. Ouviu um misto de latido e uivo.
Tentou levantar a sacola com a sombrinha. Mas o pacote virou, caiu e de dentro dele saiu um minúsculo cachorro peludinho, de tons branco e dourado. Mal conseguia andar de tão pequeno.
Esquecida do medo e da saudade, abaixou-se e o pegou nas mãos. Quase não pesava nada.
Sentindo uma alegria meio esquecida, já quase desconhecida, saiu correndo em direção à própria casa, levando nos braços seu tesouro.
Encantada. Leve. Feliz…
(Imagem: banco de imagens Google)