
Sobre a mesa, a pilha de boletos a pagar e lembretes de outras dívidas.
A cada dia o sumidouro de dinheiro cresce. Mas não há como pagar.
Por pura diversão, senta-se à mesa e começa a separar os papéis.
De um lado, aqueles que vêm como logotipos coloridos.
De outro, todos os que são assepticamente em branco-e-preto.
A pilha destes últimos é maior.
Boleto sem um enfeitinho, nada colorido, apenas números e letras pretos em fundo branco do papel. Agressivos. Ameaçadores.
Quando recebe um boleto em preto-e-branco tem a impressão de que o credor está ameaçando – “paga ou vai se arrepender!”
Já os coloridos trazem uma cobrança mais amigável, tipo “olha, você está me devendo, se você pudesse pagar seria bom para nós dois – eu preciso do dinheiro e você se livraria da dívida…”
Depois junta todos novamente. E separa por semana – as dívidas mais antigas nas pilhas mais próximas, depois da próxima semana, até chegar nas últimas cobranças, da semana imediata, que, hipoteticamente, seriam as últimas a serem pagas.
Só sabe quais são as mais antigas – não mudam, enquanto que as mais próximas perdem diariamente o posto quando outras, mais recentes, adentram pousam sobre a mesa.
Assim os dias se sucedem. Não sai de casa. É uma forma de economizar. Mas, mesmo assim, os boletos chegam. Sua diversão é usá-los como objetos lúdicos para se distrair.
Já pensou em emendar uns nos outros e fazer de todos uma toalha de mesa tipo de um patchwork de papéis.
Também pode guardar cestos deles e depois fazer uma bela fogueira no meio do quintal na noite de São João.
Mas, no fundo da alma, o que queria mesmo, era arranjar um emprego e conseguir pagar. Sua melhor vingança contra a vida seria apenas isso: ter meios de pagar as dívidas.
Olha para a imagem da santinha e repete o mantra: “por favor, minha santinha, ajuda a arrumar um emprego”. Mas a santinha não ouve.
Vai dormir. Sem pensar no que virá. Se pensar, não conseguirá adormecer. Então tenta esquecer essa realidade. Como se não fosse assunto seu. Porque deixa, para amanhã, os boletos de amanhã.
(Imagem: banco de imagens Google)