Senhor, não permita que eu seja um cordeiro perante os fortes, nem um leão perante os fracos.

Incessante, incansável, o mar canta em frente de minha casa, noite e dia, dia e noite. Espetáculo por si só, sua presença, sua cor, sua forma, seu movimento; tudo encanta.
Mistério insondável, de onde vem tanta água, tanta força, tanto equilíbrio? Uma imensa superfície, uma evaporação desmedida, mas não diminui seu volume. E a chuva não o aumenta.
Onde está a aquarela com a qual se tinge, periodicamente – águas azuis, águas verdes, águas cinzentas, águas marrons. Será que muda a cor conforme o humor?
E a altura das ondas, por vezes tão baixinhas, tão mansas, que nos convidam a caminhar mar adentro; outras vezes, tão altas, tão fortes que nos expulsam logo nos primeiros passos.
Caminho horas à beira-mar e nem a atração, nem o encantamento diminuem com o passar dos dias.
A primeira ação, ao acordar, tornou-se abrir a janela e olhar para o mar. É uma graça divina morar neste lugar, poder admirar o mar, desde o acordar até a hora de dormir novamente. Sempre ouvindo seu canto de paz.
Bálsamo da alma e do corpo, esse presente divino me prende definitivamente nesta cidade, já não consigo ficar muitos dias fora daqui, sinto falta do mar, da imagem do mar, do cheiro do mar, de seu marulho.
Quando dele me distraio, ele se agiganta e levanta ondas de um verde-esmeralda transparente, coroadas de espumas tão brancas, que é impossível permanecer indiferente. Então, deixo o que estou fazendo e fico olhando para ele, cheia de paixão e de admiração.
Nada sou diante do mar; pouco mais que um grão de areia, um bichinho terrestre que se quer marítimo, insignificante, que poderia ser tragado de imediato ao me aproximar, mas ele brinca comigo, puxa, faz de conta que vai me levar, mas me devolve.
Como se fosse um cavalheiro às antigas, que corteja, que requesta, mas só pelo prazer de arrastar a dama, não para levá-la consigo de vez.
E eu me deixo levar, qual namorada apaixonada, solto-me em seu regaço e delicadamente ele me traz e me deposita sobre a areia, sua constante guardiã.
Talvez um dia ele se apaixone por mim e me leve para suas profundezas…
(Imagem: foto de Maria Alice)