
Às vezes, sim, a solidão era dolorida. Mas em geral era bem-vinda.
Nasce-se sozinho. Mesmo que alguns tenham sido gerados em gestação múltipla. Mesmo que alguém tenha dividido uma placenta com outro ser, o nascer é solitário. Porque só nasce um de cada vez.
Assim como a morte. Nada mais solitário do que a morte.
Ainda que cercado de dezenas de pessoas, morre-se só. Ninguém morre junto. No máximo, ao mesmo tempo e no mesmo ato. Mas cada um morre por si.
Também é assim o aprendizado – ninguém aprende pelo outro. A caminhada – cada um caminha por suas próprias pernas, mesmo acompanhado.
E o sofrimento? Ah, esse é o mais solitário. Porque a felicidade, a alegria, ainda podem ser partilhadas. Mas o sofrimento? Nunca. Mesmo porque ninguém se apresenta para partilhar o sofrimento o outro.
Sempre fora a imagem da solidão.
Nunca fora capaz de se enturmar, de pertencer a grupos. Praticamente vivera sempre sem amigos.
Quando isso machucava, o jeito era sair ao livre, deitar-se no chão, no pasto, na grama, na rede, onde fosse possível, e olhar para o céu. Sentia paz, sentia acolhimento.
O céu era sua válvula de escape, a esperança de dias melhores, a companhia nas horas difíceis, tristes e mais solitárias.
Para viver neste planeta não era permitido viver solitariamente.
Era imperioso pertencer a um grupo, uma sociedade ou uma tribo.
Tentou. E falhou.
Buscou os colegas do mesmo ano escolar. Mas só encontrou desprezo. Era diferente de todos. Rejeitado. Crianças não são bondosas. Crianças são más e agressivas.
Depois tentou se enturmar com colegas de trabalho. Sua competência e dedicação era motivo de deboche, muitas gozações e algumas ofensas – em suma, de muita inveja. Por isso se fechou ainda mais.
E foi procurar um amor. Afinal, os humanos vivem aos pares. Diz a lenda que nasceram com uma só asa, para serem amados e conseguirem voar fazendo par com a asa do outro que voará junto. Só encontrou traição e abuso.
Percebeu que não há interação de almas entre os membros das tribos. Apenas aqueles que lideram aceitam os que são úteis momentaneamente. Ninguém é necessário. Apenas útil.
Agem de forma coordenada quando na tribo, como se fossem manietados por um mesmo controle. Um grupo homogêneo que impede que cada membro tenha o próprio pensamento, expresse a própria opinião. Todos devem se comportar igualmente, pensar da mesma forma e se vestir de forma parecida. Não conseguia se integrar a nenhum grupo. Era um ser pensante. Tinha personalidade.
Buscando outras pessoas, uma companhia, apenas encontrou sofrimento e traição. Muitas palavras e pouco caráter.
Se as crianças são más, descobriu que os adultos são cruéis. Usam o outro enquanto é útil. Depois descartam como bagaços inúteis.
Os adultos são indiferentes ao sofrimento alheio.
Não conseguia pertencer a essas tribos de hipócritas.
Quanto mais o tempo passava, mais a solidão se consolidava como companheira de uma vida.
Porém, ultimamente a solidão se aguçara e começara a machucar. Cortava a alma e feria os sentimentos, chegando a causar dor física. Estava difícil de aguentar.
Tudo perdera o encanto. Viver era um fardo. O sonho de ter um amor se esvanecera por completo. A solidão seria, realmente, sua única companhia.
Caminhou a passos lentos até uma praça arborizada, onde gostava de ficar nas horas livres.
Deitou-se no macio gramado, sentindo o abraço cálido da natureza.
Olhou para o céu.
Uma paz nova, estranha e acolhedora foi invadindo seu corpo sua alma de maneira suave.
Entendeu que era o chamado do céu. Chegada sua hora, bastava ir.
Mexeu-se com alegria e abriu as longas asas. Porque as possuía duas, o par completo.
Deixou o chão e foi em direção a sua casa. Um voo solitário. Como fora a vida.
O céu estava a sua espera…
(Imagem: foto de Carlos Eduardo Ferreira)