Texto publicado em 26 de março de 2020, 8° dia do isolamento compulsório imposto em razão da pandemia – covid 19…
Não se trata de uma ordem, mas, sim, de uma firme recomendação: FIQUE EM CASA.
Há um vírus de difícil controle atingindo a população mundial. Os repórteres de TV, sem muito assunto e aproveitando para destilar o ódio que sentem do resultado da eleição presidencial, tocam terror 24 horas por dia na população. Que, oscilando entre o medo, o pavor e a ignorância, repercutem sem parar as notícias mais alarmistas e trágicas. Sem se importar com a verdade.
Quarta-feira, 18 de março de 2020.
Cheguei em São Paulo dia 12/03. Sozinha e com muitos assuntos para resolver. Continuo em São Paulo. Saindo, comendo em restaurante (afinal, nem cozinha tenho aqui no meu cantinho paulistano). E não pretendo morrer de inanição.
Medo? Não me dou esse luxo. Se tivesse medo de morrer não estaria mais viva.
Tudo começa a fechar. Reuniões desmarcadas. Tenho um compromisso em Belo Horizonte. Passagens compradas. Hotel reservado.
A Prefeitura de Belo Horizonte suspende o evento.
Desmarco o hotel por telefone. Eles não opõem obstáculos. Sou a 20ª desistência do dia. Morro de pena. Sei que teremos desemprego e miséria. Mas não me perguntaram nada a respeito quando decidiram que seria melhor o Brasil ter mais falidos do que falecidos em razão da peste chinesa.
Não consigo acesso à Latam. Encontro Myriam, amiga de todas as horas e vamos a uma loja TAM. Duas funcionárias completamente desocupadas. Não podem me atender porque não comprei as passagens naquela loja. Explico que comprei pelo site, mas que o mesmo se encontra inacessível. Elas só informam que o problema não é delas.
Myriam e eu vamos a Congonhas. Eu lhe digo que lá pode ser lugar de contaminação. Ela responde que, se eu posso ir, ela pode ir também. E lá vamos nós. O taxista, feliz pela corrida, que sabe ser das últimas em razão da insegurança que se desenha no horizonte, pergunta se pode ficar esperando. Peço dois minutos, vou até a loja da TAM – fila interminável.
Pego a senha preferencial, afinal, passei dos 60 anos há alguns anos, e volto até o Alexandre. Informo que vou demorar muito. Não há condições de me esperar.
Assim ficamos por cerca de uma hora. Sou atendida. Walter, com toda a gentileza, abre a passagem até 31 de dezembro de 2020. Espero que até lá consigamos voltar ao normal nesse país.
Voltamos para casa. Descemos no supermercado, pegamos alguns produtos e vamos a pé, cada uma para sua casa. Oito dias atrás. Parece que há uma década.
Consigo antecipar a outra passagem, e vou para Ribeirão Preto, onde está meu marido e onde minha mãe – ambos de grupo de risco real, residem. E me interno na minha casa.
Há oito dias aqui. Estética, massagista, depilação, tudo fechado. Ao final desse período estaremos verdadeiros ursos polares: gordos, pálidos e peludos.
Não tenho a menor dificuldade em permanecer em quarentena.
Minha casa (qualquer uma, resido simultaneamente em três – São Paulo, Guarujá e Ribeirão Preto, enquanto mantenho fechada uma quarta casa, em outra cidade no interior de São Paulo) – é meu reino. Aqui dentro tenho tudo o que preciso.
Enquanto não completar 15 dias do meu retorno estou sem contato direto com minha mãe, irmã e sobrinhos.
Não posso arriscar transmitir a eles um vírus com o qual possa estar contaminada, ainda que assintomática.
E há 24 anos iniciei meu trabalho em sistema home office. Eram dez a quatorze horas/dia, em média, dentro do escritório. Portanto, venho em quarentena há mais de duas décadas.
Detalhe: adoro ficar em casa. Detesto sair na rua. Não gosto de shoppings; supermercado para mim é tortura. Sempre saí apenas para o estritamente necessário. Não sei nem o preço da gasolina, porque demoro tanto a completar o tanque do carro, que quando vou de novo já me esqueci o quanto foi da última vez. Tenho o mesmo carro há oito anos, tirei novo e ele está com 26.000 km.
Não sou miss gasolina. Não “bato perna”, não fico por aí e nem na casa das outras pessoas. Aliás, detesto fazer visitas. Sou bem bicho-do-mato e antissocial.
Assim, chego ao meu 8º dia de isolamento social ouvindo um concerto de violoncelo enquanto escrevo.
Tranquila, sem qualquer medo de contrair o vírus, a gripe, a insuficiência respiratória ou morrer. Porque de tiro, faca, pancada ou vírus, um dia morrerei. Nem antes nem depois. No dia exato. E, como sou pessoa de fé, sei que a Graça do Pai não nos coloca onde Sua Misericórdia não nos pode alcançar.
Sem sofrimento nem mudar meus hábitos, cumpro a quarentena. Com medo do dia em que me proibirão de ficar em casa. Aí vou me desestruturar…