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Me acostumei sem tua presença
nesta enjoada forma diária...
Sem sabedoria, nem cafés da manhã.
É mais um desencontro,
feroz e insensível,
nesta realidade que é apenas minha,
assim como é minha tua ausência.
(Nancy Alcântara, in A fé no existir)

Solidão… tema recorrente…
A solidão não chega tocando a campainha e entrando porta-a-dentro, como uma visita indesejada. Nem precedida de ventos, raios e trovões como uma tempestade se anunciando.
A solidão chega de mansinho. Tímida. Vai-se encostando na sua alma, entra sem ser percebida. Em profundo silêncio. E ali se instala. Faz sua eterna morada.
Você só percebe no dia em que se dá conta que a solidão já ocupou todos os espaços, expulsou todos os desejos, dominou todos os pensamentos.
E conclui, então, sem tristeza nem desespero, mas com resignação, que se tornou um ser extremamente solitário.
Traz a solidão um novo existir, uma inovadora forma de se conviver consigo mesmo. E, paradoxo existencial, a única coisa que se leva desta vida é exatamente a solidão. Quem já se acostumou a ela enfrenta a morte com mais galhardia e até mesmo uma ponta de alegria. Enfim, só. Para todo o sempre.
Tem-se, no existir solitário, a exata dimensão do próprio valor, da beleza interior que se carrega, da riqueza que é a própria companhia.
E, com o passar do tempo, qualquer convivência social convencional torna-se dispensável. Não por se ter tornado um ser antissocial. Mas, simplesmente, porque se está tão preenchido com a calma da solidão, que festas ruidosas, pessoas vazias, situações deprimentes, conversas idiotas, não fazem o menor sentido e entendiam mortalmente. Acaba-se querendo a própria companhia, na calma de um lugar isolado.
A companhia de uma boa música, por vezes uma dose de whisky e excelentes livros bastam.
Não se pode viver no completo isolamento. A não se que se tenha a sorte venturosa de poder viver em um farol…
Então escolhe-se, atentamente, as poucas companhias, as escassas reuniões sociais, a mínima convivência com seres indesejados.
Mas a solidão não é vazia.
É um estado de alma totalmente preenchido.
Do que é feita, com o que é preenchida a solidão?
A solidão é construída com as pedras que foram atiradas, com as mágoas causadas, com as dores suportadas em silêncios, com os abandonos sofridos.
Com a lembrança do que já foi. E não lembrança seletiva, mas lembrança integral – do que foi bom, do que foi ruim. De quando se foi feliz e de quão infeliz se foi.
E, principalmente, a solidão é preenchida de tantas ausências. Porque ausência é algo concreto, palpável.
O vazio que deixaram na alma se torna integrante da solidão.
E tudo que o que está lá guardado não pode ser repartido. Solidão é egoísmo. Recordações que não se partilham, desejos sufocados que não se pode dividir. Grandes alegrias que se quer inteiras e dores que não se pode cindir e distribuir.
Assim, como peças de montar, as lembranças compõem a solidão. Pode-se brincar com elas – fazer muros, pontes e até castelos ou casinhas. Pode-se pegar uma ausência que é mais dolorida e deixar por cima, para ser sempre a primeira a se sentir.
Há ausências tão doloridas na solidão, que preenchem todos os cômodos da alma. A ausência que preenche a solidão pertence integralmente a quem foi deixado um dia. A mais ninguém.
E, no feliz fecho do poema de minha querida amiga Nancy Alcântara, “Nesta realidade que é apenas minha, / assim como é minha tua ausência.”
(Imagem: foto do acervo pessoal da autora)