A todas as pessoas que passaram pela minha vida; às que ficaram e às que não ficaram; às pessoas que hoje são presença, àquelas que são ausência ou apenas lembrança… – desde 2008 –
No deserto, onde o céu é redondo, de mim mesmo sou miragem. Na areia me afundo, defunto, até não haver sombra senão sob cansaços de pálpebras. Quando não há mais que vento e dunas, em mim invento o derradeiro oásis. Uma raiz então me convoca, pedindo-me certo e definitivo. Não nasci, porém, para junto de fontes morar. De novo, vou por onde não há caminhos. E só no fogo deixo pegada.
As coisas mudam. A vida surpreende. Perdemos amores, amigos. Perdemos partes de nós que jamais imaginaríamos ser possível perder. Mas quando menos se espera, voltamos a ser inteiros, novos amigos aparecem, outros amores chegam. Então, olhamos no espelho e vemos uma versão mais sábia e forte de nós mesmos. Não importa o que aconteça, os dias bons estarão sempre à nossa espera. E a nós cabe apenas entregar, confiar e agradecer. Porque o que está por vir será sempre melhor do que o que ficou para trás.
Sinto frio. Mesmo não sendo inverno. Muito frio. E aqui está bem escuro, quase treva. Tenho medo, muito medo.
Eu não consigo me segurar, deslizo rumo ao fundo desse abismo que me engole. Estou apavorada, tento me manter à tona, mas tudo é liso, escorregadio.
Caio.
A cada momento caio um pouco mais, não tem fundo esse poço em que me encontro, só frio e escuridão. E pavor. Um pavor brutal.
Não sei onde estou, não posso ver nada, estou indo em direção ao inferno. Novamente terei de atravessá-lo. Sozinha.
Mesmo que eu grite ninguém me ouvirá. O som ficapreso em minha garganta, ouço meus soluços e choro. Estendo a mão. Não há outra mão à minha espera. Até mesmo quem prometeu estar sempre a meu lado, cuidar de mim, agora não pega na minha mão, deixa-me cair nesse lugar horrível, afundo mais e mais. E choro.
Quero chamar por meu pai, ele sempre me acudiu, me protegeu. Mas ele partiu em sua viagem sem volta, não está mais aqui. Choro ainda mais pela falta de meu pai, pela saudade torturante que sinto dele. Estou sozinha.
Abandonada. Até por mim mesma eu estou abandonada, já não me tenho. Minha fraqueza me mostra o quanto era falsa minha força.
Ouço vozes, risadas. Em algum lugar há pessoas despreocupadas e alegres. Provavelmente o lugar em que estão é iluminado. Essas pessoas não virão em meu socorro. Estão ocupadas em sua despreocupação. Não têm tempo nem vontade de ver que há pessoas sofrendo em volta.
Eu me encolho, começo a sentir dores. Não consigo respirar direito. Facas se movem dentro de mim e as dores são terríveis. Já não consigo mais me mexer. Ainda choro, mas até os soluços provocam dores intensas.
Até quando aguentarei viver imersa nesse pesadelo? Peço a Deus que tenha misericórdia. Estou no final de minhas forças.
O ar acaba. Meus pulmões queimam em busca de oxigênio. Preciso respirar. Estou me afogando nesse fundo lamacento em que tento me levantar. Estou com sede, preciso de água. Tateio em busca de algum objeto. Minha mão encontra algo.
Não consigo enxergar o que peguei. Parece um comprimido, um medicamento. Não tenho como identificar o que é no meio dessa escuridão, mesmo assim, em desespero total, coloco na boca e engulo a seco.
Sinto mais sede.
Não sei onde tem água.
Continuo a procurar água ou alguma coisa para beber. Encontro um rosário. Avidamente me ponho a rezar. As palavras me acalmam. O medicamento me acalma. Está frio e muito escuro. Ainda choro, já não sei quem eu sou.
Desde cedo, devemos ensinar às crianças o essencial: que o Sol nasce a Leste e se põe a Oeste, que ao apontar a mão direita para o Leste, o rosto se volta para o Norte e as costas para o Sul.
Que a água de um rio sempre corre em direção ao mar, que a Lua desponta a Leste e se esconde a Oeste. E se não houver Lua, há uma estrela-guia, que aponta o Norte e revela a latitude.
Que quanto mais alta estiver a Estrela Polar no horizonte, mais longe estamos do Equador. E que, ao avistar um pássaro sobrevoando o mar, sabemos que há terra onde ele voa.
Ensine-os a respeitar e amar os animais, as árvores, a terra e os elementos que nos sustentam.
Que esses saberes venham antes de um celular, pois a tecnologia se apaga e o sinal se perde… mas a sabedoria, essa jamais será perdida.
Dói. Se me perguntarem o que acontece, só saberei responder isso: dói. Se me perguntarem onde é a dor, ainda assim só responderei: dói. Tudo tem a ver com aquele grito reprimido, aquele sonho escondido, aquele choro nem sempre contido: dói. Aquela vontade de cortar a garganta para não poder gritar. Aquela vontade de arrancar os olhos só pra não poder ver. Aquela vontade de esmagar o coração só para não poder sentir. Mesmo com todas essas coisas incapacitadas ainda assim doeria. Porque não está na garganta, nos olhos, no coração. Está em toda parte (…)