Quanto tempo, Vô!!!!! Que saudade do senhor e de quem está aí junto…
Pois é, nossa família diminuiu mais nesse ano. Mas nem por isso o senhor precisava me “abandonar”. Para não me fazer chorar? Mais fácil me ver chorando quando o senhor se esquece de vir “dar umas prosas” aqui.
A família está enfrentando esses novos tempos, tentamos manter nossa união, passando aos que chegam a história que o senhor e o papai nos passavam, despertando o sentimento de família. Espero que estejamos plantando tão boas sementes como o senhor e ele plantaram.
Não, Vô, não temos boas notícias do mundo.
Realmente há uma ameaça pairando de uma terceira guerra. Isso seria um horror.
Imagina uma guerra mundial com a tecnologia de hoje. Nem um recanto afastado no fim do mundo estaria a salvo. Nada nem ninguém. Nenhum tipo de vida, animal ou vegetal.
Pensa em uma contaminação intensa de um rio importante – quantas pessoas podem ser afetadas por uma única arma biológica.
Mais a ameaça de mudança radical do regime no país.
Estamos enfrentando um inimigo poderoso e invisível.
Como? Pessimismo? Nunca me viu assim?
Mas, Vô, eu sozinha, nessa intensa solidão, tenho que pensar em tudo isso. Não terei nem o senhor nem meu pai aqui para me aconselhar, me abrigar, me dar coragem se tudo desmoronar de repente.
Como assim, corajosa, a mais corajosa dos seus netos? Que nada, sou pequena e fraca, apenas enfrentei tudo o que a vida jogou sobre meus ombros – o senhor sempre me ensinou a não vacilar, não cair, e, se inevitável a queda, a me levantar e continuar caminhando…
Lembra daquele pomar em Jurucê? Quando anoitecia e eu ia com o senhor pegar alguma fruta, ou atravessar para resgatar algum cavalo alongado? Era horrível, kkkkkk… o rosto e os braços ficavam riscados dos espinhos dos limoeiros, mas tinha de ir. Se o senhor podia, eu também podia. Se o senhor conseguia, eu também conseguiria… O senhor nunca perguntou se eu tinha medo, apenas falava Vamos! E eu ia… Aprendi até a enxergar no escuro… e nem tenho esses olhos verdes, de gato.
Os seus braços também ficavam riscados dos espinhos?
Pois é, então o senhor sabe do que estou falando…
Se um dia eu me sentar e começar a escrever tudo o vivi na sua casa, no seu sítio, com o senhor e a Vovó, acho que ficarei meses ou anos escrevendo sem parar…
O que vou fazer se vier a guerra? Sei lá, Vô.
Tentar ajudar quem estiver pior do que eu. Tentar sobreviver.
Terei de enfrentar…
Claro que o farei com dignidade e coragem. O senhor me conhece bem.
Medo? Não sei, Vô. Talvez eu sinta medo, mas na hora pensarei nisso, porque nunca abandonei meu lema “Se tiver com medo, faz cara de coragem e vai com medo mesmo”. Até agora vivi assim e enfrentei situações que muitos não enfrentariam…
Certo, Vô. Melhor deixar isso para lá. Não depende de nós nem de nossa vontade, então melhor não sofrer por antecipação.
Não acredito que o senhor já precisa ir. Fica meses sem aparecer e já quer sair correndo? Só para evitar minhas perguntas, não é?
Quem sabe um dia nos sentaremos novamente lado a lado, e, enquanto eu for preparando mais um cigarrinho de palha para o senhor, nesse tempinho o senhor resolva me contar um pouco daí…
Ok, um beijo para o senhor também. Até de repente…