
Mês: agosto 2025
Dia de poesia – Cecília Meireles – Já não falo de ti

Não: já não falo de ti, já não sei de saudades.
Feche-se o coração como um livro, cheio de imagens,
de palavras adormecidas, em altas prateleiras,
até que o pó desfaça o pobre desespero sem força,
que um dia, pode ser, parece tão terrível.
A aranha dorme em sua teia, lá fora, entre a roseira e o muro.
Resplandecem os azulejos- e tudo quanto posso ver.
O resto é imaginado, e não coincide, e é temerário
cismar. Talvez se as pálpebras pudessem
inventar outros sonhos, não de vida...
Ah! rompem-se na noite ardentes violas,
pelo ar e pelo frio subitamente roçadas.
Por onde pascerão, nestes céus invioláveis,
nossas perguntas com suas crinas de séculos arrastando-se...
Não só de amor a noite transborda mas de terríveis
crueldades, loucuras, de homicídios mais verdadeiros.
Os homens de sangue estão nas esquinas resfolegando,
e os homens da lei sonolentos movem letras
sobre imensos papéis que eles mesmos não entendem...
Ah! que rosto amaríamos ver inclinar-se na aérea varanda?
Nem os santos podem mais nada. Talvez os anjos abstratos
da álgebra e da geometria.
(Imagem: banco de imagens Google)
Um dia…

Caminho de ciprestes, paisagem senese
Cores, cheiros, sol e luz
Os vales, encostas e montes
Oliveiras, videiras, tanto verde
O corpo se foi, a alma ficou
Sempre imersa em tanta beleza
Lembranças do que passou
Saudades do que não foi
Solidão do amor não vivido
Silêncio diante do infinitamente belo
O sobressalto do que se avista
Depois das curvas suaves
Vontade de viver mais
Mas a vida... ah a vida
Tem hora certa de se acabar
(Imagem: foto de Maria Alice)
Dia de poesia – Miguel Torga

Para pensar 29

Saindo do forno – 8° livro
