Eugénio de Andrade (1923-2005) foi um dos maiores poetas portugueses contemporâneos. Tem obras publicadas em várias línguas. Recebeu o Prêmio Camões, em 2001.

Eugénio de Andrade, pseudônimo de José Frontinhas Neto, nasceu em Póvoa de Atalaia, pequena aldeia da Beira Baixa, Portugal, no dia 19 de janeiro de 1923.
Filho de camponeses, após a separação dos pais, passou sua infância em companhia da mãe. Com sete anos de idade mudou-se com a mãe para Castelo Branco.

Em 1932 muda-se para Lisboa, onde frequentou o Liceu Passos Manuel e a Escola Técnica Machado de Castro. Em 1935 já mostrava seu interesse pela leitura, passando horas nas bibliotecas públicas. Em 1936, Eugénio de Andrade começou a escrever seus primeiros versos.
Em 1939 publicou seu primeiro poema “Narciso”. Pouco tempo depois passou a assinar com o nome “Eugénio de Andrade”.

Em 1947, já em Lisboa, tornou-se funcionário público, exercendo durante 35 anos a função de inspetor administrativo do Ministério da Saúde.
Em 1948 publicou o livro “As Mãos e os Frutos”, que recebeu elogio dos críticos literários. Em 1950 foi transferido para o Porto. Em 1956 morreu sua mãe, que tinha sido sua grande companheira. O poeta levava uma vida reservada, vivia distante da vida social e pouco aparecia em público.

Paralelamente ao cargo público, Eugénio de Andrade publicou mais de vinte livros de poesia, publicou obras em prosa, antologia, livro infantil e traduziu, para o português, livros do poeta Frederico Garcia Lorca, José Luís Borges, René Char. (Fonte: ebiografia)

As palavras
São como um cristal, as palavras. Algumas, um punhal, um incêndio. Outras, orvalho apenas. Secretas vêm, cheias de memória. Inseguras navegam: barcos ou beijos, as águas estremecem. Desamparadas, inocentes, leves. Tecidas são de luz e são a noite. E mesmo pálidas verdes paraísos lembram ainda. Quem as escuta? Quem as recolhe, assim, cruéis, desfeitas, nas suas conchas puras? Adeus Já gastámos as palavras pela rua, meu amor, E o que nos ficou não chega Para afastar o frio de quatro paredes. Gastámos tudo menos o silêncio. Gastámos os olhos com o sal das lágrimas, Gastámos as mãos à força de as apertarmos, Gastámos o relógio e as pedras das esquinas Em esperas inúteis. Meto as mãos nas algibeiras e não encontro nada. Antigamente tínhamos tanto para dar um ao outro, Era como se todas as coisas fossem minhas: Quanto mais te dava mais tinha para te dar. Às vezes tu dizias: os teus olhos são peixes verdes. E eu acreditava. Acreditava, Porque ao teu lado Todas as coisas eram possíveis. Mas isso era no tempo dos segredos, Era no tempo em que o teu corpo era um aquário, Era no tempo em que meus olhos Eram realmente peixes verdes. Hoje são apenas os meus olhos. É pouco, mas é verdade, Uns olhos como todos os outros. Já gastámos as palavras. Quando agora digo: meu amor, Já se não passa absolutamente nada. E no entanto, antes das palavras gastas, Tenho a certeza De que todas as coisas estremeciam Só de murmurar o teu nome No silêncio do meu coração. Não temos já nada para dar. Dentro de ti Não há nada que me peça água. O passado é inútil como um trapo. E já te disse: as palavras estão gastas. Adeus.