Da série “Foi poeta, sonhou e amou na vida” – 27 – Carlos Drummond de Andrade

Carlos Drummond de Andrade (1902–1987) foi um dos maiores poetas brasileiros do século XX. “No meio do caminho tinha uma pedra / tinha uma pedra no meio do caminho” é um trecho de um de seus poemas mais conhecidos.

Drummond foi também cronista e contista, mas foi na poesia que mais se destacou. Foi o poeta que melhor representou o espírito da Segunda Geração Modernista com uma poesia de questionamento em torno da existência humana.

Carlos Drummond de Andrade nasceu em Itabira de Mato Dentro, interior de Minas Gerais, no dia 31 de outubro de 1902. Era filho dos proprietários rurais, Carlos de Paula Andrade e Julieta Augusta Drummond de Andrade. Iniciou seus estudos em sua cidade natal e em 1916, ingressou em um colégio interno em Belo Horizonte. Doente, regressou para Itabira, onde passou a ter aulas particulares.

Em 1918, Drummond foi estudar em Nova Friburgo, no Rio de Janeiro, também em colégio interno, mas foi expulso por “insubordinação mental”.

De volta para Belo Horizonte, em 1921, começou a publicar artigos no Diário de Minas que reunia adeptos do Movimento Modernista Mineiro. Em 1922, ganhou um prêmio de 50 mil réis, no “Concurso da Novela Mineira”, com o conto Joaquim do Telhado.

Em 1923, por insistência de sua família, Drummond matriculou-se no curso de Farmácia da Escola de Odontologia e Farmácia de Belo Horizonte. Em 1925 concluiu o curso, mas nunca exerceu a profissão. Nesse mesmo ano, fundou A Revista, que se tornou um veículo de afirmação do Modernismo Mineiro.

Drummond lecionou português e Geografia em Itabira, mas a vida no interior não lhe agradava. Voltou para Belo Horizonte e empregou-se como redator no Diário de Minas.

Em 1928, Drummond publicou o poema No Meio do Caminho, na “Revista de Antropofagia” de São Paulo, provocando um escândalo com a crítica da imprensa. Diziam que aquilo não era poesia e sim uma provocação pela repetição do poema, como também pelo uso de “tinha uma pedra” em lugar de “havia uma pedra”.

Em 1930, dentro das diretrizes da Segunda Geração Modernista, Drummond publicou seu primeiro livro intitulado Alguma Poesia, no qual retrata a vida cotidiana, as paisagens, as lembranças, com certo pessimismo, deixando transparecer sua ironia e humor. Também fazem parte do livro os poemas: No Meio do Caminho, Cidadezinha Qualquer e Quadrilha, tipo de poema em que o amor, antes de ser descrito é questionado e revela um sentido oculto, o amor como desencontro.

Carlos Drummond de Andrade foi um poeta, cronista, contista e tradutor Sua obra traduz a visão de um individualista comprometido com a realidade social.

Em 1942 publicou o livro de prosa Confissão de Minas Em 1950, Drummond estreou como ficcionista com a obra Contos de Aprendiz.

Desde 1954, Drummond colaborava como cronista no “Correio da Manhã” e, a partir do início de 1969, passou a escrever para o “Jornal do Brasil”.

Em 1967, para comemorar os 40 anos do poema No Meio do Caminho, Drummond reuniu extenso material publicado sobre ele, e publicou Uma Pedra no Meio do Caminho – Biografia de um Poema.

Poeta da Segunda Geração Modernista, a maior figura da “Geração de 30”, embora tenha escrito ótimos contos e crônicas, Carlos Drummond se destacou como poeta.

A poesia da Segunda Geração Modernista foi essencialmente uma poesia de questionamento em torno da existência humana, do sentimento de estar no mundo, das inquietações sociais, religiosa, filosófica e amorosa e, Drummond é o poeta que melhor representa essa geração.

Seu estilo poético é permeado por traços de ironia, observações do cotidiano, de pessimismo diante da vida e de humor. Drummond fazia verdadeiros “retratos existenciais” e os transformava em poemas com incrível maestria. Foi também tradutor de autores como Honoré de Balzac, Federico Farcia Lorca e Molière.

Carlos Drummond de Andrade morreu no Rio de Janeiro RJ, no dia 17 de agosto de 1987, poucos dias após a morte de sua filha única, a cronista Maria Julieta Drummond de Andrade. (Fonte: ebiografia)

Poema de sete faces

Quando nasci, um anjo torto
desses que vivem na sombra
disse: Vai, Carlos! ser gauche na vida.

As casas espiam os homens
que correm atrás de mulheres.
A tarde talvez fosse azul,
não houvesse tantos desejos.

O bonde passa cheio de pernas:
pernas brancas pretas amarelas.
Para que tanta perna, meu Deus, pergunta meu coração.
Porém meus olhos
não perguntam nada.

O homem atrás do bigode
é sério, simples e forte.
Quase não conversa.
Tem poucos, raros amigos
o homem atrás dos óculos e do bigode.

Meu Deus, por que me abandonaste
se sabias que eu não era Deus
se sabias que eu era fraco.

Mundo mundo vasto mundo,
se eu me chamasse Raimundo
seria uma rima, não seria uma solução.
Mundo mundo vasto mundo,
mais vasto é meu coração.

Eu não devia te dizer
mas essa lua
mas esse conhaque
botam a gente comovido como o diabo.



No meio do caminho

No meio do caminho tinha uma pedra
Tinha uma pedra no meio do caminho
Tinha uma pedra
No meio do caminho tinha uma pedra
Nunca me esquecerei desse acontecimento
Na vida de minhas retinas tão fatigadas
Nunca me esquecerei que no meio do caminho
Tinha uma pedra
Tinha uma pedra no meio do caminho
No meio do caminho tinha uma pedra.


Quadrilha

Chega um tempo em que não se diz mais: meu Deus.
Tempo de absoluta depuração.
Tempo em que não se diz mais: meu amor.
Porque o amor resultou inútil.
E os olhos não choram.
E as mãos tecem apenas o rude trabalho.
E o coração está seco.

Em vão mulheres batem à porta, não abrirás.
Ficaste sozinho, a luz apagou-se,
mas na sombra teus olhos resplandecem enormes.
És todo certeza, já não sabes sofrer.
E nada esperas de teus amigos.

Pouco importa venha a velhice, que é a velhice?
Teus ombros suportam o mundo
e ele não pesa mais que a mão de uma criança.
As guerras, as fomes, as discussões dentro dos edifícios
provam apenas que a vida prossegue
e nem todos se libertaram ainda.
Alguns, achando bárbaro o espetáculo,
prefeririam (os delicados) morrer.
Chegou um tempo em que não adianta morrer.
Chegou um tempo em que a vida é uma ordem.
A vida apenas, sem mistificação.

Amigos de uma vida – (Memória, neste Dia Internacional do Livro)

Quando eu morrer o que será feito de meus livros?

Quem os olhará com orgulho,

Quem os manuseará com carinho?

Esses livros – companheiros de vida

que se foram somando e se deixando ficar,

estão comigo há décadas e décadas.

Por os ter, assim comigo, nunca senti solidão.

Quando eu morrer o que será feito de meus livros?

A quem interessará manter todos eles

assim juntos, numa ordem que só eu conheço?

Lidos e relidos a cada tempo certo

Trazendo tantas respostas

Fazendo companhia e dando conselhos

Não me deixando esquecer tantas tristezas

e proporcionando incontáveis alegrias

Quando eu morrer o que será feito de meus livros?

Não mais os poderei ter comigo

E nem sei a quem os deixar para adoção,

como filhos que não queremos ver separados

Eles estão juntos há tanto tempo

já se amoldaram uns aos outros para

dividirem o mesmo espaço. Tantas mudanças,

Tantas casas, tantas cidades, e eles comigo.

Sem ordem de preferência, todos amados.

Como garimpeira urbana eu os encontro

em sebos, livrarias, velhas bibliotecas abandonadas.

Alguns com a dedicatória do autor

Outros até mesmo com a capa estragada

Muitos vieram direto das lojas, novíssimos

Cada um traz sua história e sua verdade.

Um dia – cada vez mais próximo – terei de deixá-los

e partir na viagem sem nenhuma bagagem

Entristecida com a sorte de todos eles, eu pergunto:

Quando eu morrer o que será feito de meus livros?

(Imagem: foto de Maria Alice)

Poesia da casa – Um beijo

Esse beijo tão esperado,
em um desejo sem fim,
Sons de folhas caindo,
perfume de vento calmo.
Raios de brilhos intensos,
nuvens em dia de chuva.
Cores de águas cristalinas,
Tudo o que se contém num olhar
Traz de volta o sentido de uma vida.
Envolto no feitiço da paixão,
Esperança de um futuro feliz,
É o beijo do amor renascido,
É um beijo cheio de encanto,
Nascido da luz de um amor, 
entregue no aconchego do amar.

(Imagem: banco de imagens Google)

Poesia da casa – Meu silêncio (memória)

Não diga nada.
Apenas ouça meu silêncio.
Em silêncio.
Ouça tudo que meu silêncio diz
Mesmo que eu não o possa dizer
Por mim ele diz tudo para você
Mesmo que você não o queira ouvir
Ele irá dizer, tudo dirá por mim
Diz que ainda amo você 
Que a paixão existe e me domina
E também que jamais o esquecerei
E para sempre esperarei sua volta
Ele diz que sua partida me destruiu
E vivo imersa em mágoas e lágrimas
Que a minha vida perdeu todo o encanto
Apenas ouça o que meu silêncio diz
Enquanto pensa no que você
Também gostaria de me dizer 
Mas não, não diga nada
Seu silêncio de todos esses meses
E a forma como você me deixou
Já disseram tudo por você
Não precisa dizer mais nada
Mas não fuja, enfrente:
Ouça, agora, o meu silêncio

(Imagem: foto de Maria Alice)

Colcha de retalhos – Cora Coralina

Sou feito de retalhos. Pedacinhos coloridos de cada vida que passa pela minha e que vou costurando na alma. Nem sempre bonitos, nem sempre felizes, mas me acrescentam e me fazem ser quem eu sou.

Em cada encontro, em cada contato, vou ficando maior…

Em cada retalho, uma vida, uma lição, um carinho, uma saudade… que me tornam mais pessoa, mais humana, mais completa.

E penso que é assim mesmo que a vida se faz: de pedaços de outras gentes que vão se tornando parte da gente também.

E a melhor parte é que nunca estaremos prontos, finalizados… haverá sempre um retalho novo para adicionar à alma.

Portanto, obrigado a cada um de vocês, que fazem parte da minha vida e que me permitem engrandecer minha história com os retalhos deixados em mim.

Que eu também possa deixar pedacinhos de mim pelos caminhos e que eles possam ser parte das suas histórias.

E que assim, de retalho em retalho, possamos nos tornar, um dia, um imenso bordado de nós.

(Imagem: banco de imagens Google)