Enquanto houver um olhar fixo no ponto por onde chega alguém que tarda, e não vem…
Muitas vezes nos damos conta de que parte do nosso passado teima em ficar escondidinho atrás da cortina da sala da existência, e nos espreita, deixando-se flagrar em sua missão de nos mirar sempre, para incomodar mesmo, para que não a deixemos ir para as brumas do esquecimento, a névoa da confusão em que os fatos pretéritos se misturam em datas, locais, vozes, sabores…
Súbito vêm-nos à mente acontecimentos que há muito julgávamos esquecidos.
Como o cheiro e o sabor das comidas que comíamos aos domingos na casa da avó.
A cor dos papéis que envolveram os ovos de páscoa de nossa infância.
O toque gostoso das tímidas mãos do primeiro namorado.
O peso do material que levávamos à escola diariamente.
E podemos ver as fachadas das casas cuja frente automaticamente percorríamos diariamente e nem sequer as olhávamos. Agora, nítidas, vêm à nossa mente como se as tivéssemos visto ontem.
O cheiro da chuva ao molhar a terra do quintal…
Os sons das músicas que dançávamos – nossa geração dançou muito, novos ritmos, novos modismos, rompendo um sistema secular, e vieram as discotecas, as danceterias, e hoje nossa música, tão moderna, tão “nova” já se perdeu, já ficou para trás.
E tantos amigos que deixamos ao longo do caminho, por mudanças de cidade, por ingresso em faculdades distantes, e aqueles que nos deixaram para sempre…
Então mergulho em tantas lembranças, deixo a saudade inundar minha alma e trago o passado para dentro de minha sala.
Vejo então que muita coisa, na verdade, nunca passou. O passado não é passado. Apenas fatos que colocamos mais fundo nas gavetas da memória, que tantas vezes nos esquecemos de arrumar, mas, em qualquer distração, saltam e vêm nos assombrar, acendendo a luz da saudade…