Benditos

Leveza

Benditos sejam, os que chegam em nossa vida em silêncio, com passos leves para não acordar nossas dores, não despertar nossos fantasmas, não ressuscitar nossos medos.

Benditos sejam os que se dirigem a nós com leveza, com gentileza, falando o idioma da paz para não assustar nossa alma.

Benditos sejam os que tocam nosso coração com carinho, nos olham com respeito e nos aceitam inteiros com todos os erros e imperfeições.

Benditos sejam os que podendo ser qualquer coisa em nossa vida, escolhem ser doação.

Benditos sejam esses seres iluminados que nos chegam como anho, como flor ou passarinho, que dão asas aos nossos sonhos e tendo a liberdade de ir, escolhem ficar e ser ninho.

(desconheço a autoria)

Para Emídio, um ano depois

Ah, Emidio, há um ano você partiu. Tão discretamente quanto viveu. Sem alarde, sem despedidas, simplesmente você apagou a luz e fechou a porta de sua vida e se foi.

Você faz falta. Tudo o que não conversamos e os assuntos que não terminamos ficaram pendentes como um novelo que desfiou e ficou jogado no fundo da cesta de costuras. Mais de uma década de conversas quase diárias, e de repente não tenho mais você para me instigar, me desafiar…

Mesmo quando você me chamava de palhaça (a única pessoa no mundo que ousou fazer isso), eu me divertia. Você sabia ser engraçado na medida certa. Ser poeta na medida certa. Ser amigo na medida certa.

Nunca mais fui chamada de palhaça, nem de Maria, nem de menina… só você fazia isso.

Suas crônicas saborosas, sua poesia leve, sua inteligência cortante, quanta falta isso faz.

Não sei onde você está agora, mas queria ter certeza de que está feliz e em paz.

Porque você sabia transmitir a paz quando eu precisava conversas de paz. E merece toda a paz na eternidade.

Foi meio maldosa sua partida inesperada e sem despedidas. Bem típico de você. Que se divertia quando conseguia me deixar confusa com suas afirmações.

Queria ler mais Emidio, queria mais poesias suas, mais conversas…

Você nos deixou em um ano tão triste, tantas coisas ruins aconteceram, e não tenho mais você para tornar tudo mais leve.

Mas há um grande consolo em saber que você foi poupado pelo Pai. Não precisou enfrentar esses tempos estranhos, de isolamento e guerra política, para ler meus comentários e me dizer “deixa o bichim em paz”…

Fica em paz, meu amigo, você nunca será esquecido. E sempre me fará muita falta.

Poesia da casa – Como eu te amo

Eu te amo
sem orgulho
sem esperança
Como o mar ama a montanha
sem jamais a alcançar
e, por suas ondas, incessantemente,
tenta chegar a seus pés
 
Eu te amo
Com desvario
Com insanidade
Como a lua ama o sol
Sem jamais encontrá-lo
E sem temer o abraço fatal
Que os fundiria irremediavelmente
 
Eu te amo
Sem vaidade
Sem egoísmo
Com um amor que não tem brio
que sufoca a dignidade
e se basta a si mesmo
 
Eu te amo
Com loucura
Com paixão
Nesse doce devaneio
Que é apenas insanidade
Esse constante delírio
De inquieta alucinação

Dia de poesia – Vinicius de Moraes – Mar

Na melancolia de teus olhos
Eu sinto a noite se inclinar
E ouço as cantigas antigas
Do mar.

Nos frios espaços de teus braços
Eu me perco em carícias de água
E durmo escutando em vão
O silêncio.

E anseio em teu misterioso seio
Na atonia das ondas redondas
Náufrago entregue ao fluxo forte
Da morte.

Vida

Vida, vida... ah, vida, o que ou quem é você?

Recebemos sem pedir, e será tirada sem nossa licença.

Não nos pertence. Mas não vivemos sem.

Não é nossa, mas não podemos trocar com a de outra pessoa.

O que é essa abstração que chamamos de vida?

Sempre ouço: “Você tem sua vida”... será que tenho minha vida?

Será que tenho uma vida?

Ou apenas vivo?

Há alguém vivo que não tenha vida?

Por que algumas pessoas deixam a própria vida descerem ralo abaixo?

E ainda ficam tentando se intrometer na vida dos outros?

Também ouço: “Ah, você, sim, sabe viver, aproveitar a vida...”.

Alguém vive sem saber viver?

Quando nos dão a vida ela vem com um manual para que saibamos como viver?

E “aproveitar”? o que seria aproveitar a vida?

Tirar proveito daquilo que ocupamos temporariamente sem nos pertencer?

O que faz parecer que alguém vive melhor, “aproveita” melhor, “sabe viver melhor”?

Todos nascem igualmente – nus, assustados, vulneráveis...

Vão morrendo ao longo da vida – alguns de uma vez e outros lentamente.

A cada segundo que pensam vivido, na verdade apenas se aproximaram mais um segundo da morte.

Também a expressão "minha vida!"... ninguém é dono da vida. Apenas vive.

Viver, para mim, é apenas e simplesmente, ficar segurando a vida enquanto se espera a morte
.

Pela revolução dos cravos

TANTO MAR
(Chico Buarque)

Foi bonita a festa, pá
Fiquei contente
Ainda guardo renitente
Um velho cravo para mim

Já murcharam tua festa, pá
Mas certamente
Esqueceram uma semente
Em algum canto de jardim

Sei que há léguas a nos separar
Tanto mar, tanto mar
Sei também quanto é preciso, pá
Navegar, navegar

Canta a primavera, pá
Cá estou carente
Manda novamente
Algum cheirinho de alecrim