Memórias do Blog – Há dois anos – O tempo… ah, o tempo…

L’homme n’a point de port, le temps n’a point de rive; il coule, et nous passons! (Alphonse de Lamartine)

O Tempo Linear e o Tempo Cíclico | ser-urbano

Há um entediante repetir do tempo.

Sempre.

Depois do sábado, o domingo. Em seguida, a segunda-feira, e assim os dias se sucedem, sem se importar com as necessidades e vontades de cada habitante do planeta.

Por melhor que esteja o dia, por mais que muitos queiram que ele se prolongue, na hora prevista o sol se põe. Encerra o expediente e vai descansar do outro lado do mundo. E a noite chega.

Por mais que você deseje que essa noite se eternize, infalivelmente, amanhecerá.

Não se pergunta ao humano se ele quer mais umas horas no dia ou mais tempo na noite. Tudo ocorre fora de sua previsão.

Amanhece. Anoitece. Amanhece. Anoitece.

Sol e lua se sucedem indefinidamente. No momento em que o sol se retira, surge a lua, imponente, no alto do céu.

Às vezes se confundem, e há um brevíssimo encontro nos eclipses, mas logo retomam suas posições originais.

Cada um que se programe, se adapte e se conforme. Porque o tempo não é nosso.

E, se prestarmos muita atenção, veremos que todos os amanheceres são exatamente iguais. O sol não escurece, não desbota, não muda de posição do ponto de seu nascer e poente, não se adianta e não se atrasa. E assim também a noite. Tudo se repete de forma tão idêntica, que já nem se nota. Apenas se segue vivendo na sucessão de dias e noites.

E o tempo,  implacável, a transformar os humanos em monstros, sempre impessoal e alheio.

Então vejo que na verdade, são os homens que passam – nascem, vivem, envelhecem e morrem. Na arrogante ilusão de que quem passa é o tempo…

(As fotos que ilustram os posts são retiradas de bancos de imagem do google, salvo se a autoria estiver anotada na página)

A historieta do Capitão Valente

No tempo dos piratas, há muitos anos, existia um comandante de um barco que era chamado de “O Capitão”. Ele era muito valente e não temia nenhum inimigo.

Do alto do mastro o vigia avisava: Piratas! e o Capitão indagava: quantos barcos? “Cinco”, respondia o vigia. E o Capitão logo comandava:

“Homens, às armas. Todos a postos.”, virava para seu imediato e ordenava: “Traga minha camisa vermelha”.

O Capitão vestia a camisa vermelha e enfrentava o corpo-a-corpo com os piratas, sendo sempre vencedor.

De outra feita, vinha o grito “PIRATAS!!!”

“Quantos barcos?”

“Doze”

“Homens, às armas. Todos a postos.”

“Traga minha camisa vermelha”

E a batalha estava vencida. Não havia pirata que derrubasse o Capitão.

Uma noite, comemorando com rum a grande vitória do dia sobre vinte barcos de piratas, um tripulante se atreveu e perguntou:

“Capitão, por que razão o senhor pede a camisa vermelha quando vamos começar uma batalha contra os piratas?”

“Simples, meu menino. Eu preciso liderar e motivar vocês para que não sejamos vencidos pelos piratas. Meu sangue é vermelho. Se eu for atingido e meu sangue correr vermelho, sobre minha camisa vermelha, vocês não verão que estou ferido e continuarão a lutar bravamente.”

Os homens se admiraram ainda mais da coragem e da valentia de seu amado Capitão.

Um dia o vigia gritou: “PIRATAS!!!!!!!!”

“Quantos barcos?”

“Quarenta e oito”

Imediatamente o Capitão ordenou:

“Homens, às armas. Todos a postos.”

Olhou para o o ajudante e gritou:

“Traga minha calça marrom”

(Desconheço a autoria – tradição oral)

Só sei que hoje, no Brasil, alguns parlamentares foram trabalhar de calças marrons…

(As fotos que ilustram os posts são retiradas de bancos de imagem do google, salvo se a autoria estiver anotada na página)

Dia de poesia – Annibal Augusto Gama – Gerânios no vaso

As coisas que me acontecem
por acaso
são gerânios no vaso
que alguém cultiva
sem mim. São flores de espanto
num jardim por onde passo
alheio de onde vim
e sem saber para onde vai
o meu passo, que passa
ao compasso dos astros.

Brotam rosas no canteiro
e um deus jardineiro
abre um girassol no espaço.





(As fotos que ilustram os posts são retiradas de bancos de imagem do google, salvo se a autoria estiver anotada na página)

Voo de alma

Ter penas não é ser livre / Nem nos pode libertar
Um par de asas apenas / Se falta o céu pra voar

(João Chagas Leite)

Voar… nada mais livre do que voar.

Símbolo maior da liberdade é o voo – talvez os pássaros sejam os animais mais livres da face da Terra.

Voar é contar consigo mesmo e acreditar. É confiar em si mesmo e na própria capacidade de ir além, quebrar fronteiras, ultrapassar limites. Ninguém pode voar pelo outro.

Assim, a primeira condição para voar é a auto confiança.

Mas também depende da sensação de liberdade. Não adianta ter asas nem ter o céu para voar, se a alma não for livre o suficiente para alçar o voo.

Há quem seja livre de alma e não pode voar por não possuir asas.

Há quem as tem mas não possui a alma livre para voar. A alma livre é a coragem.

Se o pássaro não tiver coragem de voar, ficará eternamente cativo, ainda que tenha asas e as portas da gaiola permaneçam abertas.

Quantos são prisioneiros vivendo em liberdade, quantos continuam livres, ainda que encarcerados?

Aqueles que têm alma de prisioneiro se resignam e aceitam qualquer limitação, qualquer prisão, mas quem tem a alma livre acaba por encontrar a liberdade.

Ainda que prisioneiro da Ilha do Diabo, ou de Alcatraz, ou da Torre de Londres.

Seja René Belbenoît, sejam Frank Morris e seus dois companheiros, seja o padre John Gerard. Ou, na literatura, Jean Valjean ou Edmond Dantès, dentre outros.

A lição que todos nos deixam é que a alma livre faz o homem livre.

O voo do pássaro simboliza o sonho de liberdade do homem.

Pássaro cativo não voa.

E voar é a imagem da liberdade.

(As fotos que ilustram os posts são retiradas de bancos de imagem do google, salvo se a autoria estiver anotada na página)

Pranto por São Paulo

Depois de radiante manhã ensolarada, São Paulo chega ao final do dia sob chuva fria.

Era mais uma sexta-feira.

Havia uma leve esperança de vida no ar.

Mas, no meio do dia, sem a presença do governador que tem medo dos próprios eleitores, um segundo-escalão noticiou a intensificação desse estado de sítio informal que atravessamos.

Informal. Ilegal. Inconstitucional. Imoral.

Cancelo todos meus compromissos e me preparo para voltar para a casa no interior.

Não sei se nem quando voltarei.

Vi uma cidade mais abandonada. Mais vazia. Mais sem sentido.

Vi mais moradores de rua, mais miséria, mais fome.

Só me resta perguntar aos céus: “Até quando, Senhor, até quando?”

Gotas começam escorrer no vidro da janela.

Chuva?

Não. Ao fim de um dia tão ensolarado, não é chuva.

Não são gotas de chuvas que vejo escorrer em minha janela.

São lágrimas.

É São Paulo que chora a tristeza de ver o horror que seus filhos estão passando.

(Imagem: foto de Maria Alice)