Quadro – natureza morta

Há um copo sobre a mesa.

Não é um copo de fino cristal. Nem um copo para bebidas especiais.

Apenas um copo.

Simplesmente aquela vasilha de forma cilíndrica para auxiliar na ingestão de líquidos.

Há uma mesa.

A mesa não está posta. Não ostenta toalha de cambraia de linho bordada à mão, nem porcelanas inglesas ou portuguesas. Não há elegantes guardanapos bordados nem talheres de prata.

Só a tosca madeira nua, castigada pelo tempo, trazendo marcas de queimados e molhados, que mostram o uso diário durante décadas.

Há um silêncio.

Não o silêncio respeitoso do momento de meditação durante a missa. Nem aquele que impera nos velórios.

Nem o silêncio da expectativa dos primeiros acordes de um concerto. Nem o silêncio do medo ao enfrentar uma situação de perigo.

Apenas um silêncio.

Surdo. Pesado. Asfixiante.

E há penumbra.

Não a penumbra das alcovas que abriga os corpos em brasa dos que se amam.

Nem a penumbra que antecede o amanhecer.

Mas uma penumbra dolorida das janelas que permaneceram fechadas com as cortinas cerradas.

Há, na penumbra sufocante, um silêncio cortante, com um simples copo sobre a velha a mesa.

Foi tudo o que restou depois de anos de morte, tristeza, desolação e isolamento.

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