Saudade encantada

Escrevi esse texto em 27.09.2008. Trago-o novamente ao “Alinhavando” porque os sentimentos não mudaram. Só há encanto onde há liberdade.

É preferível a dor da saudade encantada à tristeza de uma presença encarcerada

Mudamos quando lemos Rubem Alves. E para melhor.

Suas ideias, suas crônicas, seus livros, seus ensinamentos.

E também suas Estórias para pequenos e grandes.

Eu usava essa frase da abertura de hoje no meu MSN – e a curiosidade era incontida: quem era a saudade encantada, quem era a presença encarcerada? Não sei, eu respondia, não é comigo, essa frase não é minha.

É apenas uma frase – lindíssima – de “A Volta do Pássaro Encantado”. Que tanto me encantou. Talvez por tê-lo lido em um dos momentos mais delicados que passei na vida, inclusive foi lido na sala de espera de um consultório médico.

E fui atrás, comprei e o trago comigo para o ler sempre.

Ninguém é a saudade encantada. Ninguém é a presença encarcerada. Ao mesmo tempo somos – todos – saudades encantadas e presenças encarceradas.

Atire a primeira pedra quem nunca teve vontade de cortar as amarras e voar. Mas não o fez porque alguém – companheiros, filhos, pais – não sobreviveriam. Ainda bem que essa vontade passa logo, dura pouquinho, só o suficiente para abrirmos os olhos da alma para sonharmos acordados.

E quem nunca foi presença encarcerada – em casa, no trabalho, na escola.

Apenas por obrigação. E a alma nublada da tristeza de querer estar muito longe dali.

E se pensarmos em todas as pessoas que passaram pela nossa vida e já não mais estão aqui – mudanças, separações, mortes, quantas saudades encantadas trazemos dentro de nós que nos dão alento para continuarmos lutando.

Todas essas saudades encantadas, que nasceram do não-mais-ver, da separação imposta, mas que enchem de encanto o mundo das lembranças.

E não podemos, então, deixar de pensar nas pessoas que estão hoje do nosso lado, mas são apenas presenças encarceradas…

Cujas gaiolas, por covardia, comodismo e insegurança nos recusamos a abrir, porque não sabemos se resistiremos à saudade encantada de sua liberdade.

Vocês se lembram? Já contei a estória do Pássaro Encantado de muitas cores, que amava a Menina…

Mas sempre chegava a hora em que ele dizia:

“É preciso partir, ficar longe por muito tempo, para que a saudade cresça, e dentro dela o encanto!”

E ele voava…

A Menina ficava, e chorava. Até que não mais aguentou a dor da saudade e prendeu o Pássaro numa gaiola de prata, para que nunca mais a deixasse.

Ele ficou, mas murchou. Seus olhos se entristeceram e suas cores se apagaram. Acabou também a saudade, e o encanto se foi.

A Menina entendeu então, que é preferível a dor da saudade encantada à tristeza de uma presença encarcerada. E abriu a porta da gaiola.

O Pássaro voou para muito longe até que a saudade voltasse a crescer.” (Rubem Alves, A volta do pássaro encantado)

(Imagem: banco de imagens Google)

Dia de Poesia – Casimiro de Abreu – Saudades

Nas horas mortas da noite
Como é doce o meditar
Quando as estrelas cintilam
Nas ondas quietas do mar;
Quando a lua majestosa
Surgindo linda e formosa,
Como donzela vaidosa
Nas águas se vai mirar!

Nessas horas de silêncio,
De tristezas e de amor,
Eu gosto de ouvir ao longe,
Cheio de mágoa e de dor,
O sino do campanário
Que fala tão solitário
Com esse som mortuário
Que nos enche de pavor.

Então — proscrito e sozinho —
Eu solto os ecos da serra
Suspiros dessa saudade
Que no meu peito se encerra
Esses prantos de amargores
São prantos cheios de dores:
— Saudades — dos meus amores,
— Saudades da minha terra!

(Imagem: foto de Maria Alice)

Sem fim (Memória)

Não querer sentir  pode ser amar. Desistir pode ser continuar – a vida é feita de enigmas, de jogos e de muito sofrimento. A maior de todas as derrotas não é perder a luta ou batalha nem parar para descansar da dor; mas a maior derrota é desistir.

O destino põe todos à prova: passa rasteira, dá golpe baixo, para testar a capacidade da resistência de cada um. Por isso, não desista de nada – nem da vida, de mim, nem de você, insista, persista, permaneça que só vale a pena viver a dois. Tenha sempre sua alma aquecida. Nunca deixe seu coração esfriar. Ou o amor morrerá de frio.


Venha, segure sempre a minha mão.

Sua asa solitária nunca o levará ao alto ou ao longe que sonhou. Use a minha.

Vamos juntos.

Vamos voar além da realidade

Vamos voar todos nossos sonhos…

(Imagem: banco de imagens

Dia de poesia – Sophia de Mello Breyner Andresen – Para atravessar contigo o deserto do mundo

Para atravessar contigo o deserto do mundo
Para enfrentarmos juntos o terror da morte
Para ver a verdade para perder o medo
Ao lado dos teus passos caminhei

Por ti deixei meu reino meu segredo
Minha rápida noite meu silêncio
Minha pérola redonda e seu oriente
Meu espelho minha vida minha imagem
E abandonei os jardins do paraíso

Cá fora à luz sem véu do dia duro
Sem os espelhos vi que estava nua
E ao descampado se chamava tempo

Por isso com teus gestos me vestiste
E aprendi a viver em pleno vento

(Imagem: banco de imagens Google)

Dia de poesia – Florbela Espanca – Falo de ti às pedras das estradas

Falo de ti às pedras das estradas
E ao sol que é louro como o teu  olhar,
Falo ao rio, que desdobra a faiscar,
Vestidos de princesas e de fadas;

Falo às gaivotas de asas desdobradas,
Lembrando lenços brancos a acenar,
E aos mastros que apunhalam o luar
Na solidão das noites consteladas;

Digo aos anseios, os sonhos, os desejos
Donde a tua alma, tonta de vitória,
Levanta ao céu a torre dos meus beijos!

E os meus gritos de amor, cruzando o espaço,
Sobre os brocados fúlgidos da glória,
São astros que me tombam do regaço!

(Imagem: banco de imagens Google)