Alceu de Freitas Wamosy (Uruguaiana, 14 de fevereiro de 1895 – Santana do Livramento, 13 de setembro de 1923, foi um jornalista e poeta brasileiro.

Filho de José Afonso Wamosy, de origem húngara, e de Maria de Freitas, foi poeta simbolista. Publica seu primeiro livro Flâmulas, poemas, em 1913, quando já escreve para o jornal A Cidade, fundado por seu pai em Alegrete, Rio Grande do Sul.
Adquire em 1917 o jornal O Republicano, no qual permanece até a morte. No ano de publicação do seu Coroa de Sonhos, no qual enfeixa um dos mais belos sonetos da língua pirtuguesa(“Duas Almas”), envolve-se ardentemente na Revolução de 1923, sendo ferido a bala e vindo a falecer em um “hospital de sangue” na companhia da mãe e da esposa, com a qual casa-se “in extremis”.
É Patrono da Cadeira n° 40 da Academia Rio-Grandense de Letras; aclamado patrono da Feira do Livro de Porto Alegre de 1967. (Fonte Wikipédia)

Duas Almas
Ó tu, que vens de longe, ó tu, que vens cansada,
entra, e, sob este teto encontrarás carinho:
Eu nunca fui amado, e vivo tão sozinho,
vives sozinha sempre, e nunca foste amada…
A neve anda a branquear, lividamente, a estrada,
e a minha alcova tem a tepidez de um ninho.
Entra, ao menos até que as curvas do caminho
se banhem no esplendor nascente da alvorada.
E amanhã, quando a luz do sol dourar, radiosa,
essa estrada sem fim, deserta, imensa e nua,
podes partir de novo, ó nômade formosa!
Já não serei tão só, nem irás tão sozinha:
Há de ficar comigo uma saudade tua…
Hás de levar contigo uma saudade minha…
Idealizando a morte
Morrer por uma tarde assim como esta tarde,
fim de dia outonal, tristonho e doloroso,
quando o lago adormece e o vento está em repouso,
e a lâmpada do sol no altar do céu não arde.
Morrer ouvindo a voz de minha mãe e a tua
rezando a mesma prece, ao pé do mesmo santo,
vós ambas tendo o olhar estrelado de pranto,
e no rosto e nas mãos palidezes de lua.
Morrer com a placidez de uma flor que se corte,
com a mansidão de um sol que desce no horizonte,
sentindo a unção do vosso beijo ungir-me a fronte
— beijo de noiva e mãe, irmanados na morte.
E morrer… e levar com a vida que se trunca,
tudo que de doçura e amargor teve a vida:
o sonho enfermo, a glória obscura, a fé perdida,
e o segredo de amor, que não te disse, nunca!
Noturno
Tu pensarás em mim, por esta noite imensa e erma, em que tudo é um frio e um silêncio profundo? Tu pensarás em mim? Por esta noite, enfermo, tendo os olhos em febre e a voz cheia de sustos, eu penso em ti, no teu amor e na promessa muda que o teu olhar me fez e que eu espero. (Que dor de não saber se tu pensas em mim!) Sob a tenda da noite estrelada de outono, que eu contemplo através os cristais da janela, junto ao manso tepor da lâmpada que escuta — antiga confidente — os meus sonhos e as minhas vigílias de tormento, eu penso em ti, divina. (E tu talvez nem te recordes deste ausente!) Penso em ti. Penso e evoco o teu vulto adorado. Penso nas tuas mãos — um lis de cinco pétalas — que, em vez de sangue, têm luar dentro das veias; nos teus olhos, que são Noturnos de Chopin agonizando à luz de uma tarde de sonho; na tua voz, que lembra um beijo que se esfolha. Penso. (E nem sei se tu também pensas em mim!) Talvez não. No tranquilo altar da tua alcova, onde se extingue a luz de um velho candelabro como uma lâmpada votiva, tu adormeces sorrindo ao Anjo fiel que as tuas pálpebras fecha para que tu não tenhas sonhos maus. E eu penso em ti, sem sono, a sós, angustiado e febril, em ti, que nem eu sei se te lembras de mim...
(Imagem: banco de imagens Google)