Adélia Luzia Prado de Freitas (Divinópolis, 13 de dezembro de 1935), mas conhecida como Adélia Prado, é uma poetisa, professora, filósofa e contista brasileira ligada ao Modernismo.

Sua obra retrata o cotidiano com perplexidade e encanto, norteados pela fé cristã e permeados pelo aspecto lúdico, uma das características de seu estilo único. Em 1976,enviou o manuscrito de Bagagem para Affonso Romano de Sant’Anna, que assinava uma coluna de crítica literária no Jornal do Brasil. Admirado, acabou por repassar os manuscritos a Carlos Drummond de Andrade, que incentivou a publicação do livro pela Editora Imago em artigo do mesmo periódico.
Professora por formação, ela exerceu o magistério durante 24 anos, até que a carreira de escritora se tornou a atividade central. Em termos de literatura brasileira, o surgimento da escritora representou a revalorização do feminino nas letras e da mulher como ser pensante, tendo-se em conta que Adélia incorpora os papéis de intelectual e de mãe, esposa e dona-de-casa. (Fonte: Antologia da Poesia Brasileira Contemporânea – Imprensa Nacional – Casa da Moeda, 1986)

A soleira
O que farei com este meu corpo inóspito já que não respondes nem me abres a porta? Tem pena de mim. Não compreendo nada. Só vos desejo e meu desejo é como se eu miasse por vós. A florinha do mentrasto é tão sem galas que minha carne se eriça, erotizada. Existis, ó Deus, porque a beleza existe, esta que vi primeiro com meus olhos mortais. Parecerá blasfemo. Mas não chamam sagrado o livro em que Jó fez imprimir suas dores, amaldiçoando o dia do seu nascimento? Porque não o meu, que o abençoo e acho o degredo bom, os penedos belos, as poucas flores, dádivas?
Sedução
A poesia me pega com sua roda dentada, me força a escutar imóvel o seu discurso esdrúxulo. Me abraça detrás do muro, levanta a saia pra eu ver, amorosa e doida. Acontece a má coisa, eu lhe digo, também sou filho de Deus, me deixa desesperar. Ela responde passando a língua quente em meu pescoço, fala pau pra me acalmar, fala pedra, geometria, se descuida e fica meiga, aproveito pra me safar. Eu corro ela corre mais, eu grito ela grita mais, sete demônios mais forte. Me pega a ponta do pé e vem até na cabeça, fazendo sulcos profundos. É de ferro a roda dentada dela.