
Uma vez – era 1º de janeiro de 1986 – eu resolvi nadar da praia até a escuna, nas imediações de uma ilha, dispensando o barquinho de transporte. Fui. Sozinha. Os grupos de nado já tinha ido mais cedo.
A certa altura minha cervical travou – imediatamente o braço esquerdo “morreu”. Eu tenho uma lesão que paralisa o lado esquerdo, desde que meu pescoço ficou embaixo de um caminhão, aos 18 anos.
Eu tentei mais duas ou três braçadas. Só o direito respondia.
Eu sabia que se forçasse muito, a perna esquerda também paralisaria. Já era acostumada com o problema.
Respirei fundo para clarear as ideias e dominar o pânico – se você apavorar e engolir água, vai ficar ali para sempre.
Virei de costas e comecei a boiar. Bem solta, leve, achando bom.
Era céu e mar. E eu.
Fui rodando com a marola, para me localizar.
A praia estava muito longe. Não daria para voltar.
O barco estava muito longe. Não daria para alcançar.
Então eu fui me posicionando numa linha reta entre a barco e o local onde uma família – mãe e duas crianças pequenas, que não podiam voltar nadando – esperava na praia pelo barquinho de resgate.
E ali fiquei. Uns vinte minutos até meu pessoal, que já estava no barco, notar que eu não estava mais nadando e precisava de socorro.
Só uns vinte minutos.
Mas, sozinha, deitada sobre o mar e coberta pelo céu, eu era o nada, o nada-do-mais-profundo-nada no meio de duas imensidões – o mar e o céu, quando então o tempo toma outra dimensão.
Vinte minutos são a eternidade.
Sobrevivi.
Estou aqui.
Outra pessoa, não mais a que entrou no mar e ficou vinte minutos aguardando um escaler para resgate.
Conclusão:
Aprendi, em vinte minutos, que não se luta com a vida. Mas, pela vida, ainda que permanecer imóvel e calma seja a única chance possível de vitória.
Sou a única responsável pela minha vida e pela minha sobrevivência. Ninguém pode lutar por mim.
O que vida me manda, aceito com alegria.
Se for amargo, bebo de uma vez e esqueço.
Se for doce, saboreio em pequenos goles, para durar mais.
A vida é o que é. Reina absoluta até que a morte nos resgate.
(Foto de Maria Alice)