Texto da escritora Vera Melo – Cem dias de solidão

Como foi possível chegar a esta marca?

A minha impressão é que ninguém, antes do decreto, já distante e indiscutivelmente desagradável em sua imposição de isolamento, poderia imaginar o quanto seria doloroso chegarmos à marca de 100 dias em solidão quase absoluta…

Esta é a minha situação nesta data – cem dias – e torna-se inevitável pensar em Gabriel Garcia Marques e seu lindo romance: Cem Anos de Solidão, bem como da terrível tempestade que insistiu em castigar toda aquela população! E nestes 100 dias nós nem tivemos chuva! Apenas a solidão e seca… É verdade que ela, a solidão, foi bastante amenizada pelas conversas por telefone, encontros virtuais pela internet sem, contudo, o abraço dos filhos e do neto… À ausência do abraço, faltou tudo.

A impressão que tenho é de estarmos, todos, atravessando o inferno e agora é impossível não lembrar da frase de atribuída a Winston Churchill: “Se está atravessando o inferno, continue caminhando…”

Não podemos voltar, nem parar por nenhum motivo, tristeza, revolta ou saudade podemos apenas seguir em frente, isolados mas todos numa mesma direção, trabalhando de forma precária ou em prisão domiciliar… Tivemos, isto sim, momentos de revolta motivados por decisões das autoridades constituídas e que consideramos questionáveis pelos mais variados motivos, o principal deles é vermos tantos de nós sofrendo dessa solidão crônica, futuro nebuloso, distantes de parentes e amigos, caminhando para a depressão…

E aquela grande parte de brasileiros desempregados, sem casa ou dinheiro para atravessar a tormenta? Quantos naufragarão e quantos chegarão ao final da jornada?

Não tivemos a tempestade de Garcia Marques, o que não evitou que estejamos em plena tormenta psicológica, procurando a saída. Muitos de nós, entre os que caminham nessa busca e já atravessaram o inferno, sabem que no final encontraremos a saída, com tempestade ou não.

Entretanto, eu já resolvi há algum tempo: cem dias é o meu limite… Amanhã recomeço a viver o mais normalmente possível, tanto quanto me permite o uso obrigatório de máscaras, a falta de abraços, a ausência dos filhos e do neto. Amanhã estarei, feliz, de volta ao meu local de trabalho e seja o que Deus quiser!

Amém…

(Em 23/06/2020)

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