Memórias do blog – Naufrágio

La mer / Qu’on voit danser le long des golfes clairs

A des reflets d’argent / La mer

Des reflets changeants / Sous la pluie

La mer / Les a bercés

Le long des golfes clairs / Et d’une chanson d’amour

La mer / A bercé mon cœur pour la vie

(Charles Trenet)

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                                               Era um barco. Um simples e vulnerável barco, cortando as águas em busca de seu porto.

                                               Singrava as águas mansamente, sem pressa, sem querer chegar depressa. Apenas queria chegar.

                                               As águas, tépidas e amigas, o balançavam suavemente, brincando de resistir com sua marola.

                                               O céu a tudo assistia. Tentava clarear o máximo de tempo possível, dourando as águas ao amanhecer, e as prateando antes de jogar sobre elas o marinho noturno.

                                               E o barco, de dia singrava, de noite adormecia. Ao sabor das águas, confiante e sereno. Não receava tempestade, não temia o vento. Ele se bastava, não sentia solidão nem precisava de outro barco a lhe fazer companhia. Esperava as primeiras estrelas de cada anoitecer para conferir o rumo que o sol lhe dava. E, se a lua estivesse bem-humorada, logo surgia rastreando de prata toda a superfície visível.

                                               Tão sereno, tão valente, o pobre barco confiava em seu poder e não temia seu destino.

                                               Até o dia em outro barco, de repente, vier a cruzar sua travessia e desviar sua atenção. É a própria tragédia anunciada. O pobre barco não terá mais paz, buscando encontrar seu igual, e se sentirá só nessa imensidão.

                                               Sem paz, não poderá mais enfrentar ventos e procelas. E conhecerá o sofrimento. A ansiedade de esperar, de querer, de desejar.

                                               E, de repente, soçobrará.

                                               Meu coração, esse mar. Minha paixão, esse barco, que naufragou quando buscou outro barco.

(Imagem: Banco de imagens Google)

Fim de outubro

O ano quase se acabando, rapida ou lentamente, dependendo de cada situação vivida.

Lá se vai outubro. Dez meses perdidos em uma ano que só tem doze.

O que trazemos desse segundo ano de desmando e descontrole?

Apenas desânimo, tristezas e falta de vontade de continuar lutando.

Não há mais vida.

Há uma insegurança total, seja quanto à vida pessoal, às finanças, ao futuro político do país.

Não conseguiremos deixar para nossos filhos e netos um mundo melhor do que aquele que recebemos dos nossos pais e avós.

O mundo se balança perigosamente à beira de um precipício.

E vemos se escoar esse ano, tão esperado como recuperação do desastre de 2020.

Mas foi pior.

E, sem dúvida alguma, 2022 será ainda mais nefasto.

E veremos as verdades serem negadas, as regras morais desaparecem sob o autoritarismo galopante e a vida – pessoal, familiar e social – se esfacelar.

Essa é a realidade hoje.

Passado o feriado prolongado (depois de tanta paradeira na pandemia, agora a moda são os feriados prolongados), será novembro.

E de nós, o que será?

Conjugando o verbo Amar

Repito hoje esse texto, porque estava lendo sobre o AMOR. E recordei-me do que já havia escrito. Quem já leu está dispensado de ler novamente.

Eu te peço perdão por te amar de repente, embora o meu amor seja uma velha canção nos teus ouvidos. (Vinicius de Moraes)

Queimando (enésima tentativa de publicar este post) – cabecaliberta

Um dia Mário de Andrade nos brindou com “Amar, Verbo Intransitivo”. 

Deixando para lá o enredo, que não é do agrado geral, fico no título e sobre ele medito: “Amar, verbo intransitivo”. Para Mario de Andrade, eu amo. Ponto final. Eu amo porque amo. Eu amo por amar. Eu amo. Não interessa o que. Se amo alguém, se me amo, se amo o próprio amor. Porque não seria um verbo transitivo. Nem direto nem indireto. Mas um verbo intransitivo, sem qualquer complemento. Eu amo. Apenas.

Não, não é assim. Para mim amar é um verbo transitivo. Quem ama, ama alguém, ou ama algo. Ainda que ame a si próprio. Ou uma coisa desprezível. Mas ama com complemento. Portanto prefiro a outra forma: “amar, verbo transitivo”. 

Falo hoje não do amor, sentimento sublime, que une pais e filhos, que eleva, que apura, que doa, que tudo… Não. Nada disso. Falo do amor sensual. Ou melhor, da paixão quando denominada amor. 

O que seria do mundo sem esse amor-paixão? Já teria acabado há muito tempo. Por tédio, por inércia. Por verdadeira inação. 

Só agimos sob o signo da paixão. 

Vê-se de longe quem é, e quem não é, apaixonado. E não falo de quem está, ou não está, apaixonado. Porque não se trata de “estar”, mas de “ser” apaixonado. Como uma qualidade que a pessoa carrega consigo. 

Os apaixonados se arriscam, se lançam, se atiram, vão mais longe, querem chegar a algum lugar. 

Diferente de quem não ama ou não tem paixão: se deixa ficar, não busca, não sonha, não vai… 

A paixão é o sal e a pimenta do viver. Tempera a existência, dá gosto. Desperta o prazer de viver. 

Quanto mais se é apaixonado, aquela paixão que cega, de adrenalina, que faz acelerar o coração, que tira o fôlego, mais feliz se é. 

Colocar paixão em tudo – no estudo, no serviço, no que se faz por gosto e também em tudo que é feito somente por obrigação – torna a vida mais leve. 

Portanto, ser intensamente apaixonado nos torna melhores humanos, nos leva mais longe do ponto de partida. 

Esse verbo amar do amor-paixão tem de ser conjugado diariamente para que a vida valha a pena ser vivida. 

Mas, para mim, deveria ser modificado um bocadinho: o verbo amar não poderia, jamais, ser conjugado no tempo passado.

Dia de poesia – Carlos Drummond de Andrade – A um ausente


Tenho razão de sentir saudade,
tenho razão de te acusar.
Houve um pacto implícito que rompeste
e sem te despedires foste embora.
Detonaste o pacto.
Detonaste a vida geral, a comum aquiescência
de viver e explorar os rumos de obscuridade
sem prazo sem consulta sem provocação
até o limite das folhas caídas na hora de cair.

Antecipaste a hora.
Teu ponteiro enlouqueceu, enlouquecendo nossas horas.
Que poderias ter feito de mais grave
do que o ato sem continuação, o ato em si,
o ato que não ousamos nem sabemos ousar
porque depois dele não há nada?

Tenho razão para sentir saudade de ti,
de nossa convivência em falas camaradas,
simples apertar de mãos, nem isso, voz
modulando sílabas conhecidas e banais
que eram sempre certeza e segurança.

Sim, tenho saudades.
Sim, acuso-te porque fizeste
o não previsto nas leis da amizade e da natureza
nem nos deixaste sequer o direito de indagar
porque o fizeste, porque te foste.