Cortar o tempo

 
Quem teve a idéia de cortar o tempo em fatias
a que se deu o nome de ano,
foi um indivíduo genial.
Industrializou a esperança
fazendo-o funcionar no limite da exaustão.

Doze meses dão para qualquer ser humano
se cansar e entregar os pontos.

Aí entra o milagre da renovação e tudo começa outra vez
com outro número e outra vontade de acreditar
que daqui para adiante vai ser diferente….

…Para você,
Desejo o sonho realizado.
O amor esperado.
A esperança renovada.

Para você,
Desejo todas as cores desta vida.
Todas as alegrias que puder sorrir.
Todas as músicas que puder emocionar.

Para você neste novo ano,
Desejo que os amigos sejam mais cúmplices,
Que a sua família esteja mais unida,
Que sua vida seja mais bem vivida.

Gostaria de lhe desejar tantas outras coisas.
Mas nada seria suficiente…

Então, desejo apenas que você tenha muitos desejos.
Desejos grandes e que eles possam te mover a cada minuto,
ao rumo da sua FELICIDADE!!!

(Carlos Drummond de Andrade)

Poesia da casa – Quem foi?

Quem foi, me diz, quem foi

Que abriu o meu sorriso e iluminou o meu olhar?

Que trouxe tanta alegria, tanta fantasia e desenhou

Um futuro nessa minha vida, sempre triste e apagada?

Quem foi, me diz, quem foi

Que desmanchou meu penteado, bagunçou meu coração

Esparramou meus sentimentos, amassou os meus lençóis

Abriu as janelas do futuro e me mostrou um novo mundo?

Quem foi, me diz, quem foi

Que pegou na minha mão e me levou por tantos caminhos

Mergulhou comigo nos rios e juntos voamos entre as nuvens

Dançou comigo nas praças e me ensinou trilhar novos atalhos?

Quem foi, me diz, quem foi

Que um dia simplesmente partiu e me deixou,

Que apagou o brilho dos meus olhos

Pisoteou meus sonhos de menina e quebrou o encanto da minha paixão

Destruiu meu mundo feito de amor e cristal e me abandonou?

Quem foi, me diz, quem foi?

Passado (dezembro/2010)

Enquanto houver um olhar fixo no ponto por onde chega alguém que tarda, e não vem…

 

                                                           Muitas vezes nos damos conta de que parte do nosso passado teima em ficar escondidinho atrás da cortina da sala da existência, e nos espreita, deixando-se flagrar em sua missão de nos mirar sempre, para incomodar mesmo, para que não a deixemos ir para as brumas do esquecimento, a névoa da confusão em que os fatos pretéritos se misturam em datas, locais, vozes, sabores…

                                                           Súbito vêm-nos à mente acontecimentos que há muito julgávamos esquecidos.

                                                           Como o cheiro e o sabor das comidas que comíamos aos domingos na casa da avó.

                                                           A cor dos papéis que envolveram os ovos de páscoa de nossa infância.

                                                           O toque gostoso das tímidas mãos do primeiro namorado.

                                                           O peso do material que levávamos à escola diariamente.

                                                           E podemos ver as fachadas das casas cuja frente automaticamente percorríamos diariamente e nem sequer as olhávamos. Agora, nítidas, vêm à nossa mente como se as tivéssemos visto ontem.

                                                           O cheiro da chuva ao molhar a terra do quintal…

                                                           Os sons das músicas que dançávamos – nossa geração dançou muito, novos ritmos, novos modismos, rompendo um sistema secular, e vieram as discotecas, as danceterias, e hoje nossa música, tão moderna, tão “nova” já se perdeu, já ficou para trás.

                                                           E tantos amigos que deixamos ao longo do caminho, por mudanças de cidade, por ingresso em faculdades distantes, e aqueles que nos deixaram para sempre…

                                                           Então mergulho em tantas lembranças, deixo a saudade inundar minha alma e trago o passado para dentro de minha sala.

                                                           Vejo então que muita coisa, na verdade, nunca passou. O passado não é passado. Apenas fatos que colocamos mais fundo nas gavetas da memória, que tantas vezes nos esquecemos de arrumar, mas, em qualquer distração, saltam e vêm nos assombrar, acendendo a luz da saudade…

 

                                                     

Saudade encantada

É preferível a dor da saudade encantada à tristeza de uma presença encarcerada

 

Mudamos quando lemos Rubem Alves. E para melhor.

Suas idéias, suas crônicas, seus livros, seus ensinamentos. E também suas Estórias para pequenos e grandes.

Eu usava essa frase da abertura de hoje no meu MSN – e a curiosidade era incontida: quem era a saudade encantada, quem era a presença encarcerada? Não sei, eu respondia, não é comigo, essa frase não é minha.

É apenas uma frase – lindíssima – de A Volta do Pássaro Encantado. Que tanto me encantou.

Talvez por tê-lo lido em um dos momentos mais delicados que passei na vida, inclusive foi lido na sala de espera de um consultório médico.

E fui atrás, comprei e o trago comigo para lê-lo sempre.

Ninguém é a saudade encantada. Ninguém é a presença encarcerada. Ao mesmo tempo somos – todos – saudades encantadas e presenças encarceradas.

Atire a primeira pedra quem nunca teve vontade de cortar as amarras e voar. Mas não o fez porque alguém – companheiros, filhos, pais – não sobreviveriam Ainda bem que essa vontade passa logo, dura pouquinho, só o suficiente para abrirmos os olhos da alma para sonharmos acordados.

E quem nunca foi presença encarcerada – em casa, no trabalho, na escola. Apenas por obrigação. E a alma nublada da tristeza de querer estar muito longe dali.

E se pensarmos em todas as pessoas que passaram pela nossa vida e já não mais estão aqui – mudanças, separações, mortes, quantas saudades encantadas trazemos dentro de nós que nos dão alento para continuarmos lutando. Todas essas saudades encantadas, que nasceram do não-mais-ver, da separação imposta, mas que enchem de encanto o mundo das lembranças.

E não podemos, então, deixar de pensar nas pessoas que estão hoje do nosso lado, mas são apenas presenças encarceradas… Cujas gaiolas, por covardia, comodismo e insegurança nos recusamos a abrir, porque não sabemos se resistiremos à saudade encantada de sua liberdade.

Vocês se lembram? Já contei a estória do Pássaro Encantado de muitas cores, que amava a Menina… Mas sempre chegava a hora em que ele dizia:

“É preciso partir, ficar longe por muito tempo, para que a saudade cresça, e dentro dela o encanto!”

E ele voava…

A Menina ficava, e chorava. Até que não mais agüentou a dor da saudade e prendeu o Pássaro numa gaiola de prata, para que nunca mais a deixasse.

Ele ficou, mas murchou. Seus olhos se entristeceram e suas cores se apagaram. Acabou também a saudade, e o encanto se foi. A Menina entendeu então, que é preferível a dor da saudade encantada à tristeza de uma presença encarcerada. E abriu a porta da gaiola. O Pássaro voou para muito longe até que a saudade voltasse a crescer. (Rubem Alves, A volta do pássaro encantado)

(27/09/08) 

Bonito ou feio

Por que prender a vida em conceitos e normas?  O Belo e o Feio… O Bom e o Mau… Dor e Prazer…
Tudo, afinal, são formas E não degraus do Ser!

(Mario Quintana)

 

 

Será que a beleza existe sozinha, em termos absolutos, ou está nos olhos de quem a vê?

 

Uma pessoa, ou um lugar, é bonito porque é bonito mesmo, ou depende de quem olha essa pessoa ou esse lugar?

 

Talvez seja uma grande verdade a frase Quem ama o feio, bonito lhe parece.

 

Algumas pessoas se acham lindas, e acabam passando essa imagem e todos a acham bonita também, e a olham com olhos de enxergar beleza.

 

E o que é ser bonito? Preencher alguns requisitos básicos, ter traços regulares, altura razoável… ou apenas não ser terrível, ter traços medonhos…

 

Ao longo dos tempos o conceito de beleza vem mudando, os termos de comparação sofrem modificações, já foi bonito ser gordo (sinal de prosperidade, de ausência de fome), hoje o modelo é extrema magreza, aparência anoréxica, de quem efetivamente passa fome.

 

Os cabelos já foram naturais, encaracolados, e hoje o bonito é cabelo escorrido, esticado nem que seja a ferro e formol.

 

Bonito hoje é ser eternamente jovem, não mostrar idade.

 

Isso sem falar no desespero das cirurgias plásticas feitas em qualquer lugar, por profissionais que nem sempre dominam a técnica e os resultados são desastrosos.

 

Hoje engordar é feio, envelhecer é feio…

 

Não há dúvida que o tempo é uma verdadeira fábrica de monstros, porque a decadência física do ser humano no avançar da idade é deprimente.

 

Mas faz parte da vida – ou vive pouco e morre jovem ou envelhece.

 

E mesmo a velhice pode ter sua beleza, seu encanto, se for aceita com naturalidade.

 

Também bonito hoje é não ter educação. Grosseria, estupidez, nada é feio.

 

E falta de cultura também é bonito. Ignorância é bonito.

 

Só que eu não estou gostando muito disso tudo, continuo achando feio o que é feio, independente do politicamente correto.

 

 

 

 

Natal

É dezembro…

É Natal…

Depois o Réveillon…


Tudo tão previsível, tão sempre igual… 


Há dez anos eu publicava minhas impressões sobre isso no Alinhavando. Repito, novamente, porque nada mudou dentro de mim, apenas acrescento o tempo e estou dez anos mais velha…

06/12/08 

Natal

BATE O SINO PEQUENINO / SINO DE BELÉM /

JÁ NASCEU O DEUS MENINO / PARA O NOSSO BEM

Vejo a cidade se vestindo para o Natal. Acho lindo.

Adoro ver as luzes, os enfeites, o verde-e-vermelho que domina tudo, embora para nós não tenha tanta simbologia quanto para o povo de onde se originou.

Mas, por outro lado, não gosto dessa época.

Queria ir dormir dia 14 ou 15 de dezembro e só acordar lá pelo dia 06 de janeiro. Ou ser anestesiada ou ser abduzida nesse período.

Só não queria enfrentar essa época todo ano, obrigatoriamente.

Não sei o porquê, mas não gosto de Natal nem de Ano Novo.

Vejo todo mundo sorridente, enfeitado, comendo, bebendo, brindando e me pergunto: tirando, é claro, as crianças, tem alguém feliz aqui? Por que todo mundo ficaria feliz, só porque é Natal? E o que o Natal tem a ver com alegria ou tristeza? É uma alegria compulsória, forçada, fingida.

Eu sinto uma angústia indescritível, crescente, não vejo a hora de ir para o meu quarto, fechar a porta, apagar a luz e ficar só, e em silêncio, e sozinha comigo mesma, sem-ter-que-ser-feliz-porque-é-Natal.

Há muito, muito tempo, um menino nasceu nesse dia (será que foi em 25 de dezembro mesmo? ou inventaram essa data? se inventaram, porque a puseram tão perto do reveillon? que falta de imaginação!) e com trinta e três anos foi condenado à morte e morreu na cruz, a morte mais indigna para a época. E isso mudou a história do mundo e dos homens, dividiu o tempo eterno em antes de depois de seu nascimento, e os homens nunca mais foram os mesmos.

Nisso eu acredito. Ele andou entre nós, pisou o chão de Jerusalém (que emoção quando caminhei naquelas pedras que meu Deus pisou!) e outros solos da região, falou do amor, da paz, da misericórdia e caridade.

E idéias tão simples, tão básicas, em seus lábios, por sua voz, se tornaram leis. E tudo o que Ele queria era que os homens se entendessem, que romanos – os poderosos da época – não humilhassem o restante do mundo e dos homens, que os pequeninos fossem respeitados, que as mulheres fossem amadas.

Não dividiu os homens em raças nem credos. Tentou mostrar que todos são igualmente humanos, apesar de suas diferenças.

Não tentou igualar os homens, mas quis que as diferenças naturais entre todos fossem respeitadas e não os dividissem.

Que a alegria era possível e permanente, dependendo das escolhas de cada um.

Até hoje poucas pessoas entenderam o que Cristo disse. E menos ainda seguem suas palavras.

Mas só porque é Natal, todos saem com cara-de-feliz, abraçando, comendo, bebendo e brindando. Numa alegria tão falsa, mas tão falsa, que dura somente uma noite por ano, se durar tanto.

Em lugar de cara-de-natal, gostaria que cada um, neste Natal, fizesse uma prece sincera, agradecendo os dons recebidos, os bens de que dispõe, e se propondo, com sinceridade, tentar ser um pouco melhor, para chegar mais perto do Deus nascido homem.

Mirar em Cristo um exemplo a ser seguido, em suas palavras o guia para uma vida mais simples, mais sincera e mais dedicada aos irmãos.

Aproveitar o Natal para orações, para gestos de gentileza e caridade – principalmente com os idosos – a começar os idosos da própria família – tantas vezes emocional e afetivamente abandonados, por falta de tempo e de vontade de manter um vínculo de amor com eles.

E se quiser dar presentes, dê para seu Deus – custa tão barato o que O agrada: amor ao próximo, misericórdia e caridade, um coração humilde e uma vida dedicada ao bem. Nada mais.

Mas, a você que perde tempo em ler este blog, de coração eu desejo um Feliz e Santo Natal, e que possa – não só neste ano, mas em todos os anos – em seu coração nascer e renascer o Deus Menino, com sua mensagem de paz, fraternidade e, principalmente de humanidade.