Um grão de areia. Tudo pode se resumir a um grão de areia.
Um único e pequenino grão de areia viaja por todos os cantos do cosmos. Vejo-o, agora, ao pousar sobre minha mesa. Brilha como o cristal. É duro como a rocha. Mais leve do que uma pluma. Levado pelo vento, logo poderá não estar mais aqui.
Com todo o cuidado e respeito, eu o pego e guardo no fundo da minha mão. Acaricio com delicadeza aquele pequeno viajante. E lhe pergunto: “- de onde vens? Das praias do sul, dos desertos da África? De onde o vento te traz até mim? A qual Universo pertences?”
Ele demora a responder. Está cansado demais para falar. Percebo que vem de muito longe.
Já estava aqui antes do começo e estará depois do fim.
Esse grão de areia já esteve em todos os lugares, mesmo os desconhecidos. Do fundo do mar à poeira das estrelas.
Escondido em uma ostra, deu origem a tão rara pérola, que foi usada para encimar diadema de uma rainha e depois o cetro de um rei, simbolizando o poder absoluto sobre os demais homens. Liberado, foi conhecer os outros mares, e os desertos. Na bagagem dos nômades atravessou mundos. Viu a miséria e a riqueza. Viu o sol nascer na África e também se por no Pacífico.
Navegou nos veleiros, voou nos aviões e foi lançado em foguetes.
As eras se sucediam incessantemente e o pequeno grão viajava o mundo.
Esteve na cabana dos lavradores, nas carroças e nas bagagens em que foi para as vilas e cidades. Entrou nos palácios e nos templos.
Nunca o grão de areia conseguiu parar em um só lugar. A mínima brisa, o vento e os furacões o levavam de um lado para o outro, indefeso e frágil em sua dureza e unidade.
Sabe tudo sobre o amor e sua diferença da paixão. Foi usado por tristes amantes como desculpa para as lágrimas que escorriam pelas faces.
Esteve no berço dos recém-nascidos e conheceu o túmulo dos falecidos.
Vedou olhos de cruéis guerreiros e decidiu batalhas.
Fundiu-se à poeira dos anéis de saturno. Repousou nas crateras lunares.
Sabe as distâncias que separam as pessoas próximas e as milhas e anos luz que separam as nações e os planetas.
Esquentou-se ao calor do sol e gelou na neve das montanhas – o sol não o queima e o frio não o pode congelar. Sua matéria é mais que o calor e o gelo.
Conheceu a música e a poesia dos artistas. Participou das provas em Atenas e das lutas em Roma.
Esteve em todas as guerras e se molhou em todos os sangues.
Mergulhou em todos os rios e mares. Voou por sobre todas as terras.
Nada, nada há que não tenha visto ou conhecido.
Esse tão pequeno grão de areia conhece a alma humana, seus sonhos mais secretos. Entrou na casa de todos os homens. Participou de todos os rituais e presenciou todas as alegrias.
Como um pequeno nada, ignorado por tantos, ele viajou por todos os mundos conhecidos e presumidos.
Ele se assemelha a um pequeno caco de cristal no fundo da palma de minha mão. Parece sorrir para mim.
Então ele fala: “- o que é o Universo? Um todo, um nada, uma soma de muitos? O Universo está em você, porque você é seu próprio Universo, e cada célula sua é um Universo próprio. Cada ser, cada pedra, cada molécula de ar é seu próprio Universo. O que vale para um, vale para todos. O que perturba o individual, transtorna o conjunto. Tudo isso junto forma o grande Universo, que não é nada mais que todos os universos harmonicamente agrupados. Quando há desarmonia, o Universo se abala e se parte. Se se rompe, deixa de ser Universo. Porque a essência do universo é ser uno e indivisível.”
E termina: “- se você me entender, terá decifrado todos os enigmas do mundo. Porque terá de me entender inteiro. Não pode ir me conhecendo aos poucos, não posso ser partido em pedaços. Eu sou um Universo!”