A eterna tristeza de 09 de julho

41 anos. Mas ainda queima como se tivesse sido esta manhã.

Atendo o telefone. Vem a pergunta: “Está chorando? Já chorou muito?”

E eu respondi: “Eu, chorar? Por que?”

E a bomba: “Ainda não sabe? Vinicius de Moraes morreu no amanhecer.” Então comecei a chorar…

Ele partira. Em uma aura de poesia, envolto em uma névoa de paixão.

Junto com a Aurora, ele se fora. Esperou sua chegada e com ela partiu. E ele sabia que a Aurora é fria.

“… Apaixonei-me da Aurora
No meu quarto de marfim
Todo o dia à mesma hora
Amava-a só para mim

…. É que apesar de sombria
Prefiro essa grande louca
À Aurora, que além de pouca
É fria, meu Deus, é fria!”

Nesse triste 09 de julho, ele que cantara a morte, quando mal amanhecia, com ela se encontrara.

A morte vem de longe 
Do fundo dos céus 
Vem para os meus olhos 
Virá para os teus 
Desce das estrelas 
Das brancas estrelas 
As loucas estrelas 
Trânsfugas de Deus 
Chega impressentida 
Nunca inesperada 
Ela que é na vida 
A grande esperada! 
A desesperada 
Do amor fratricida 
Dos homens, ai! dos homens 
Que matam a morte 
Por medo da vida.

(A Morte, Rio de Janeiro, 1954)

Não sei se ele “se” morreu de amores. Mas sei que ele amou. Muito. Sempre. E morreu sem saber quem pagaria o enterro e as flores. Mas nessa manhã, Vinicius teve sua Hora íntima… (Rio de Janeiro , 1950)

Quem pagará o enterro e as flores 
Se eu me morrer de amores? 
Quem, dentre amigos, tão amigo 
Para estar no caixão comigo? 
Quem, em meio ao funeral 
Dirá de mim: – Nunca fez mal… 
Quem, bêbedo, chorará em voz alta 
De não me ter trazido nada? 
Quem virá despetalar pétalas 
No meu túmulo de poeta? 
Quem jogará timidamente 
Na terra um grão de semente? 
Quem elevará o olhar covarde 
Até a estrela da tarde? 
Quem me dirá palavras mágicas 
Capazes de empalidecer o mármore? 
Quem, oculta em véus escuros 
Se crucificará nos muros? 
Quem, macerada de desgosto 
Sorrirá: – Rei morto, rei posto… 
Quantas, debruçadas sobre o báratro 
Sentirão as dores do parto? 
Qual a que, branca de receio 
Tocará o botão do seio? 
Quem, louca, se jogará de bruços 
A soluçar tantos soluços 
Que há de despertar receios? 
Quantos, os maxilares contraídos 
O sangue a pulsar nas cicatrizes 
Dirão: – Foi um doido amigo… 
Quem, criança, olhando a terra 
Ao ver movimentar-se um verme 
Observará um ar de critério? 
Quem, em circunstância oficial 
Há de propor meu pedestal? 
Quais os que, vindos da montanha 
Terão circunspecção tamanha 
Que eu hei de rir branco de cal? 
Qual a que, o rosto sulcado de vento 
Lançará um punhado de sal 
Na minha cova de cimento? 
Quem cantará canções de amigo 
No dia do meu funeral? 
Qual a que não estará presente 
Por motivo circunstancial? 
Quem cravará no seio duro 
Uma lâmina enferrujada? 
Quem, em seu verbo inconsútil 
Há de orar: – Deus o tenha em sua guarda. 
Qual o amigo que a sós consigo 
Pensará: – Não há de ser nada… 
Quem será a estranha figura 
A um tronco de árvore encostada 
Com um olhar frio e um ar de dúvida? 
Quem se abraçará comigo 
Que terá de ser arrancada? 

Quem vai pagar o enterro e as flores 
Se eu me morrer de amores?

Ele, o imortal, morrera.

E sempre será não só imortal, mas o Poeta infinito.

A paixão em forma humana.

Deixou o mundo mais doce, pôs encanto em nossa vida.

E estará, sempre, entre nós. Porque sua Poesia não morrerá jamais.

Deixe um comentário

Preencha os seus dados abaixo ou clique em um ícone para log in:

Logo do WordPress.com

Você está comentando utilizando sua conta WordPress.com. Sair /  Alterar )

Foto do Facebook

Você está comentando utilizando sua conta Facebook. Sair /  Alterar )

Conectando a %s