Dia de poesia – Florbela Espanca – Outonal

Caem as folhas mortas sobre o lago;
Na penumbra outonal, não sei quem tece
As rendas do silêncio... Olha, anoitece!
- Brumas longínquas do País do Vago...

Veludos a ondear... Mistério mago...
Encantamento... A hora que não esquece,
A luz que a pouco e pouco desfalece,
Que lança em mim a bênção dum afago...

Outono dos crepúsculos doirados,
De púrpuras, damascos e brocados!
- Vestes a terra inteira de esplendor!

Outono das tardinhas silenciosas,
Das magníficas noites voluptuosas
Em que eu soluço a delirar de amor...

(Imagem: banco de imagens Google)

Poesia da casa – da paixão

E eu pensei que partia
Que era livre, nada a me prender
Então parti. Fui embora
Sem rumo, sem Norte
Apenas fugi. De tudo. De todos.
E, principalmente, de mim.
No impacto da coragem
Não pensava em mais nada
Estava, finalmente, livre! Livre!
Busquei estradas, percorri atalhos
Deitei em bosques, nadei em remansos
Era só para mim que as nuvens dançavam
O céu era inteiramente meu
As estrelas sorriam e piscavam para mim
Mas logo o encanto se perdeu
A angústia voltou a me perturbar
O que eu queria? O que eu buscava?
O escuro novamente se fez em minha alma
E, vi, com tristeza, que não era livre
Apenas fugira de um lugar
Mas não encontrara a liberdade
Porque trazia comigo, dentro do meu peito
A prisão que me limitava, 
A tristeza infinita
Da saudade eterna que habita
Dentro do meu mais profundo existir
E não deixa minha alma voar:
A terrível gaiola da paixão...

(Imagem: banco de imagens Google)

Dia de poesia – Domingos Carvalho da Silva – Poema Explicativo

Inúteis são os voos. 
Inúteis são os pássaros.
Silenciosas sombras tudo extinguem.
Como as vagas de um mar longínquo e frio,
são de inúteis palavras estes versos,
pois o calado tempo esmaga tudo.
Moro num rio inútil que caminha
entre margens de musgo e subalternas
pontes e águas que reflectem
estrelas, luminárias, desencanto.
Os peixes não obstante já não dormem.
São inúteis os sonhos e as amarras
que nos prendem ao cais.
E o sangue que nos leva
em artérias eléctricas de desejo.
Já somos todos poetas — e a poesia é inútil —
antepassados simples de um futuro
remoto onde seremos sinais na rocha, apenas.
Germinará o trevo entre os alexandrinos
e nenhum pássaro compreenderá o sentido
das páginas dispersas sobre a areia.
Estas palavras nuas se transformarão
em pó, em lodo, em traças e raízes.

(Imagem: foto de Maria Alice)

Não chores por teus mortos – Desconheço a autoria

Sabias que quando choras pelos teus mortos, choras por ti e não por eles?
Choras porque os "perdeste", porque NÃO os tens ao teu lado.
Achas que tudo termina com a morte.
E achas que eles já não estão.
Então, se os teus mortos já não estão, onde estão? 
Se eles se foram, ou agora estão noutro lugar, esse lugar é melhor do que este?
Sim, definitivamente esse lugar é melhor do que este. 
Então por que sofres com a partida deles?
Quando acabares por aceitar que eles já “NÃO estão aqui”, mas que eles estão noutro lugar ainda melhor do que este, pois onde eles estão já não estão doentes nem a sofrer, então vais parar de chorar e recuperá-los na memória para que eles te continuem a acompanhar com a alegria de tudo que já viveram.
Não morras com os teus mortos.
Revive-os no teu coração.
Se tu realmente os amavas, VOLTA a amá-los e desta vez com maior força, com maior pureza. Com maior entrega.
Bem, não haverá mais censuras de nenhum tipo.
Só o amor será a essência entre vocês, entre eles e nós - a essência do amor incondicional.
Agora o teu amor será puro e incondicional.
Já não os amamos por necessidade ou medo.
Nós respeitamos a tua dor, e a tua maneira de a expressar. 
Nós sabemos que choras e chorarás sem consolo.
Mas... 
Hoje nós dizemos-te:
Não morras com os teus mortos. 
Deixa-os partir, como partem as andorinhas no Outono, para nidificarem noutros climas e voltarem mais numerosas e crescidas, noutra Primavera.
Deixa-os voar para a Fonte do Amor de que estão ansiosos por partilharem connosco.
Enxuga as tuas lágrimas e ama-as.
Lembra-te que nós só estamos a ver um lado da moeda. 
Não estamos a ver o outro lado.
Nós não estamos a ver o lugar maravilhoso de luz onde eles estão.
Que tal começarmos a ver a “morte” como um segundo nascimento?
Segundo Nascimento pelo qual TODOS passaremos.
Nascimento este que nos une, aqui e além.
Não morras com os teus mortos... honra-os vivendo a tua vida como eles gostariam que tu fosses.

(Imagem: banco de imagens Google)

Da série “Foi poeta, sonhou e amou na vida” – 23 – Sophia de Mello Breyner Andresen

Sophia de Mello Breyner Andresen nasceu a 6 de novembro de 1919 no Porto, onde passou a infância. Entre 1939-1940 estudou Filologia Clássica na Universidade de Lisboa. Publicou os primeiros versos em 1940, nos Cadernos de Poesia. Em 1944 sai, em edição de autor, o seu primeiro livro de poemas, Poesia, título inaugural de uma obra incontornável que a torna uma das maiores vozes da poesia do século XX.

Os seus livros estão traduzidos em várias línguas e foi muitas vezes premiada, tendo recebido, entre outros, o Prémio Camões 1999, o Prémio Poesia Max Jacob 2001 e o Prémio Rainha Sofia de Poesia Ibero-Americana – a primeira vez que um português venceu este prestigiado galardão.

Com uma linguagem poética quase transparente e íntima, ao mesmo tempo ancorada nos antigos mitos clássicos, Sophia evoca nos seus versos os objectos, as coisas, os seres, os tempos, os mares, os dias. Na sequência do seu casamento com o jornalista, político e advogado Francisco Sousa Tavares, em 1946, passou a viver em Lisboa. Foi mãe de cinco filhos, para quem começou a escrever contos infantis.

Em termos cívicos, a escritora caracterizou-se por uma atitude interventiva, tendo denunciado activamente o regime salazarista e os seus seguidores. Apoiou a candidatura do general Humberto Delgado e fez parte dos movimentos católicos contra o antigo regime, tendo sido um dos subscritores da «Carta dos 101 Católicos» contra a guerra colonial e o apoio da Igreja Católica à política de Salazar. Foi ainda fundadora e membro da Comissão Nacional de Apoio aos Presos Políticos. Após o 25 de Abril, foi eleita para a Assembleia Constituinte, em 1975, pelo círculo do Porto, numa lista do Partido Socialista. Foi também público o seu apoio à independência de Timor-Leste, conseguida em 2002.

Faleceu a 2 de julho de 2004, em Lisboa. Dez anos depois, em 2014, foram-lhe concedidas honras de Estado e os seus restos mortais foram trasladados para o Panteão Nacional.

No dia em que se celebrou o centenário do seu nascimento, a 6 de novembro de 2019, é-lhe concedido a título póstumo o Grande-Colar da Ordem Militar de Sant’Iago da Espada. (Fonte: Porto Editora)

O MAR DOS MEUS OLHOS
Há mulheres que trazem o mar nos olhos
Não pela cor
Mas pela vastidão da alma
E trazem a poesia nos dedos e nos sorrisos
Ficam para além do tempo
Como se a maré nunca as levasse
Da praia onde foram felizes

Há mulheres que trazem o mar nos olhos
pela grandeza da imensidão da alma
pelo infinito modo como abarcam as coisas e os homens…
Há mulheres que são maré em noites de tardes…
e calma
 

O Poema

O poema me levará no tempo
Quando eu já não for eu
E passarei sozinha
Entre as mãos de quem lê

O poema alguém o dirá
Às searas

Sua passagem se confundirá
Com o rumor do mar com o passar do vento

O poema habitará
O espaço mais concreto e mais atento

No ar claro nas tardes transparentes
Suas sílabas redondas

(Ó antigas ó longas
Eternas tardes lisas)

Mesmo que eu morra o poema encontrará
Uma praia onde quebrar as suas ondas

E entre quatro paredes densas
De funda e devorada solidão
Alguém seu próprio ser confundirá
Com o poema no tempo