
Inúteis são os voos. Inúteis são os pássaros. Silenciosas sombras tudo extinguem. Como as vagas de um mar longínquo e frio, são de inúteis palavras estes versos, pois o calado tempo esmaga tudo. Moro num rio inútil que caminha entre margens de musgo e subalternas pontes e águas que reflectem estrelas, luminárias, desencanto. Os peixes não obstante já não dormem. São inúteis os sonhos e as amarras que nos prendem ao cais. E o sangue que nos leva em artérias eléctricas de desejo. Já somos todos poetas — e a poesia é inútil — antepassados simples de um futuro remoto onde seremos sinais na rocha, apenas. Germinará o trevo entre os alexandrinos e nenhum pássaro compreenderá o sentido das páginas dispersas sobre a areia. Estas palavras nuas se transformarão em pó, em lodo, em traças e raízes.
(Imagem: foto de Maria Alice)