
… principalmente pelas tenebrosas condições em que todos nós no encontrávamos, quando fomos surpreendidos pela cidade toda se alegrando com a esperança do fim da epidemia.
Nada, a não ser a intervenção imediata do dedo de Deus; nada, a não ser Seu poder onipotente poderia fazer isso. O contágio ridicularizava todos os remédios, a morte atacava em cada esquina e se continuasse como estava, mais algumas semanas e a peste teria limpado a cidade de tudo e todos que tivessem uma alma.
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No exato momento que bem deveríamos dizer “é inútil a ajuda do homem” – digo, neste exato momento, para nossa agradável surpresa, Deus quis que a fúria da peste diminuísse, ainda que por si mesma.
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É impossível expressar a mudança da própria fisionomia das pessoas naquela manhã de quinta-feira, quando foi divulgado o registro semanal de óbitos. Podia-se perceber nos semblantes um espanto secreto e um sorriso de satisfação estampados na face de todo mundo. Aqueles que antes não passariam pelo mesmo lado de uma rua onde viesse alguém apertaram as mãos uns dos outros. Nas ruas não muitos largas, as pessoas abriam suas janelas e chamavam de uma casa para outra, perguntando como estavam e se ouviram a boa notícia da diminuição da peste.
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Em meio a sua aflição, justamente quando a cidade de Londres estava em condições verdadeiramente calamitosas, foi do agrado de Deus – através da intervenção imediata de Sua mão – desarmar o inimigo, retirando o veneno de sua ferroada. Foi maravilhoso e até os médicos se surpreenderam.
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Isso tampouco aconteceu pela descoberta de um novo medicamento nem por um novo método de cura ou por qualquer experiência em andamento que os médicos e cirurgiões estivessem testando; evidentemente, isso veio da secreta e invisível mão Dele que, primeiro, enviou a doença como um castigo sobre nós. … A doença perdeu seu vigor e consumiu sua malignidade; e deixai que isto venha de onde vier, deixar os filósofos procurarem razões na natureza para explicar o fato, fazendo tudo o que podem para diminuir a dívida que eles têm para com o Criador.
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Foi então, como disse antes, que o povo perdeu todos os seus medos muito rapidamente. De fato, não tínhamos mais medo de cruzar com um homem de boné branco na cabeça ou com um pano enrolado no pescoço, ou arrastando uma perda devido às feridas na virilha e tudo que na semana anterior era apavorante no mais alto grau. Agora, porém, as ruas estavam cheias deles e estas pobres criaturas convalescentes, dando-lhes o que lhes é devido, pareciam muito sensibilizadas pela sua inesperada salvação.
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Concluirei, então, o relato desse calamitoso ano com um vulgar, porém sincero verso de minha autoria, que coloquei no fim de minhas anotações cotidiana no mesmo ano em que foram escritas:
Terrível peste esteve em Londres
no ano de sessenta e cinco
cem mil almas levou consigo
mesmo assim, estou vivo!
(Um diário do ano da peste, Daniel Defoe)