Escuro

Quando no meio da escuridão um súbito raio riscou o céu
Tive a exata noção do fundo desse nada em que me encontro
Se durante o dia vejo o horizonte apenas do tamanho da circunferência da boca deste poço
À noite pude ver, claramente, toda essa profundidade,
Esse escuro fundo dessa noite sem fim – na qual me debato entre a resignação e o desespero, o desânimo e o nada.
Como vim parar aqui? Quanto desamor tive de suportar para descer até essa noite escura que agora vive dentro de mim?
Quantos caminhos errados percorri até o fim, quantas portas fechadas encontrei em minhas chegadas...
As águas que deviam matar minha sede na verdade me afogaram e me sobraram salgadas lágrimas para a sede amainar
Tantas pedras me foram leito e travesseiro, que meu corpo, lapidado, já não sente mais qualquer dor
E agora já nem sigo, fios invisíveis de angústia infinita me paralisam e tolhem meus passos, não adianta tentar fugir nem me debater
Não saberia o que buscar, onde ir nem onde quero chegar
Então, silenciosamente, eu me entrego - faço uma última prece e imploro “ - Misericórdia, Pai”, e fecho meus olhos.

(Imagem: banco de imagens Google)

Dia de poesia – Fernando Pessoa – Amei-te e por te amar


Amei-te e por te amar

Só a ti eu não via...

Eras o céu e o mar,

Eras a noite e o dia...

Só quando te perdi

É que eu te conheci...



Quando te tinha diante

Do meu olhar submerso

Não eras minha amante...

Eras o Universo...

Agora que te não tenho,

És só do teu tamanho.



Estavas-me longe na alma,

Por isso eu não te via...

Presença em mim tão calma,

Que eu a não sentia.

Só quando meu ser te perdeu

Vi que não eras eu.



Não sei o que eras. Creio

Que o meu modo de olhar,

Meu sentir meu anseio

Meu jeito de pensar...

Eras minha alma, fora

Do Lugar e da Hora...



Hoje eu busco-te e choro

Por te poder achar

Não sequer te memoro

Como te tive a amar...

Nem foste um sonho meu...

Porque te choro eu?



Não sei... Perdi-te, e és hoje

Real no [...] real...

Como a hora que foge,

Foges e tudo é igual

A si-próprio e é tão triste

O que vejo que existe.




Em que és [...J fictício,

Em que tempo parado

Foste o (...) cilício

Que quando em fé fechado

Não sentia e hoje sinto

Que acordo e não me minto...



[...] tuas mãos, contudo,

Sinto nas minhas mãos,

Nosso olhar fixo e mudo

Quantos momentos vãos

Pra além de nós viveu

Nem nosso, teu ou meu...



Quantas vezes sentimos

Alma nosso contacto

Quantas vezes seguimos

Pelo caminho abstracto

Que vai entre alma e alma…

Horas de inquieta calma!



E hoje pergunto em mim

Quem foi que amei, beijei

Com quem perdi o fim

Aos sonhos que sonhei…

Procuro-te e nem vejo

O meu próprio desejo…



Que foi real em nós?

Que houve em nós de sonho?

De que Nós fomos de que voz

O duplo eco risonho

Que unidade tivemos?

O que foi que perdemos?



Nós não sonhámos. Eras

Real e eu era real.

Tuas mãos — tão sinceras…

Meu gesto — tão leal...

Tu e eu lado a lado...

Isto... e isto acabado...



Como houve em nós amor

E deixou de o haver?

Sei que hoje é vaga dor

O que era então prazer...

Mas não sei que passou

Por nós e acordou...



Amámo-nos deveras?

Amamo-nos ainda?

Se penso vejo que eras

A mesma que és... E finda

Tudo o que foi o amor;



Assim quase sem dor.

Sem dor... Um pasmo vago

De ter havido amar...

Quase que me embriago

De mal poder pensar...

O que mudou e onde?

O que é que em nós se esconde?




Talvez sintas como eu

E não saibas sentil-o...

Ser é ser nosso véu

Amar é encobril-o,

Hoje que te deixei

É que sei que te amei...



Somos a nossa bruma…

É pra dentro que vemos...

Caem-nos uma a uma

As compreensões que temos

E ficamos no frio

Do Universo vazio...



Que importa? Se o que foi

Entre nós foi amor,

Se por te amar me dói

Já não te amar, e a dor

Tem um íntimo sentido,

Nada será perdido...



E além de nós, no Agora

Que não nos tem por véus

Viveremos a Hora

Virados para Deus

E n'um (...) mudo

Compreenderemos tudo.

(Imagem: banco de imagens Google)

Dia de poesia – Mia Couto – O habitante (ao meu pai)

Se partiste, não sei.
Porque estás,
tanto quanto sempre estiveste.

Essa tua,
tão nossa, presença
enche de sombra a casa
como se criasse,
dentro de nós,
uma outra casa.

No silêncio distraído
de uma varanda
que foi o teu único castelo,
ecoam ainda os teus passos
feitos não para caminhar
mas para acariciar o chão.

Nessa varanda te sentas
nesse tão delicado modo de morrer
como se nos estivesses ensinando
um outro modo de viver.

Se o passo é tão celeste
a viagem não conta
senão pelo poema que nos veste.

Os lugares que buscaste
não têm geografia.

São vozes, são fontes,
rios sem vontade de mar,
tempo que escapa da eternidade.

Moras dentro,
sem deus nem adeus.

(Imagem: banco de imagens Google)

Recomeço

Recomece mesmo se os seus pés cansarem.

Mesmo se o seu coração estiver sem forças, mesmo se os seus olhos lacrimejarem.

Recomece mesmo com medo do futuro e com receios por já terem ferido o seu coração.

Tenha certeza que vai dar tudo certo.

Ame seus detalhes, ame ser você.

Porque ninguém além de você vai entender os seus calos e as suas cicatrizes.

Então, é você por você, não espere nada de ninguém.

Faça sempre por você. Se valorize, se ame.

Porque pra fazer parte da sua vida tem que entender que é preciso profundidade.

Recomece não pelos outros, mas sim, porque você merece que entendam o quanto você é uma pessoa corajosa e extraordinária.

(Desconheço a autoria)