Noite-e-dia

Pela centésima milionésima vez, ontem vi novamente o filme O feitiço de Áquila. Do livro Ladyhawke, de Joan D. Vinge. Vale a pena ler. Vale a pena assistir.

A história – realismo-fantástico – gira sobre uma maldição lançada por um bispo sem vocação contra um casal de namorados – o Capitão da guarda, Etienne de Navarre (vivido pelo ator neerlandês Rutger Hauer) e sua amada Isabeau d’Anjou (estrelada pela belíssima Michelle Pfeiffer).

Quando descobriu que sua eleita amava o capitão, e que ambos haviam fugido de Áquila, o bispo invocou as forças do mal e os amaldiçoou de forma que nunca mais se encontrassem como homem e mulher. Ele, de dia o garboso cavaleiro, trazia consigo um falcão. Depois do por do sol, ela, a linda mulher, caminhava pelas florestas com um lobo negro. “Sempre juntos, eternamente separados”. Ou seja – ele se tornava lobo ao mesmo tempo em que ela voltava a ser mulher, o que impedia que se encontrassem. Ele era o dia, e ela, a noite. E a maldição só seria quebrada se os dois – Navarre e Isabeau, ficassem, ambos na forma humana, de frente para o bispo e este os encarasse.

Entretanto, o maldoso bispo não contava que existe, sim, “dia sem noite e noite sem dia” – quando ocorre o fenômeno do eclipse solar.

Mas, não vim aqui para contar o filme e sim para comentar a distância que a perda ou separação impõem àqueles que desejam estar juntos, mas são condenados a viverem separados.

A perda, pela morte, é irremediável. A morte é o maior mistério da vida. Onde estão as pessoas que morreram? Devemos alimentar a esperança de estarmos todos um dia novamente juntos, ou a morte é, simplesmente, o fim de tudo? Então qual seria o sentido da vida, se tivermos apenas esses poucos anos na Terra?

Indagações que rendem textos e mais textos, filosofia pura e também filósofos de mesa de buteco…

Apaixonar-se, amar, desejar, querer, e estar separado. Essa a grande questão de hoje aqui no post.

Quem nunca?

Pois é…

A separação é reversível? Nem sempre. Muitas vezes reveste-se de uma definitividade que não admite contra-argumentos.

Outras vezes, quando revertida, mostra-se inviável.

Tal como a máxima que um homem não mergulha duas vezes na mesma água de um rio, voltar pode nos levar a outro lugar, a outra pessoa, agora diferente do que deixamos. Porque o tempo passou para os dois. Nem sempre o reencontro é agradável ou duradouro.

Ah, mas todo mundo merece uma segunda chance…

Sei!

A vida não é uma ciranda de danças, que você vai trocando de par até chegar no primeiro novamente e tudo continua igual…

Pode ser que os vícios, os defeitos, tudo que separava tenha se agravado com o tempo…

Ainda que um revival seja sempre uma tentação, nem sempre é a solução…

Mas, voltando ao ponto central: o sofrimento de estar separado quando as almas estão juntas.

O pensamento dia e noite em quem está distante, não há como encontrar, tocar, estar junto… ainda que a tecnologia tenha conseguido suprimir algumas arestas da separação – temos hoje comunicação audiovisual instantânea – podemos conversar vendo o outro.

Mas o âmago da saudade está em mais que ver e ouvir: tocar, abraçar, amar…

E isso não existe.

Quando a separação abrange, ainda, fuso horário e enquanto para um é dia, para o outro é noite, aí fica ainda mais difícil. Nem mesmo a comunicação audiovisual é fácil…

Medida em milhas ou quilômetros, a distância é o desespero dos que se amam.

Os sonhos trazem o outro, mas não satisfazem o que o corpo e a alma esperam.

A voz através do telefone até aquece o coração, mas não silencia a saudade.

A interação audiovisual não supera a ausência física.

As lembranças se avolumam, tornam-se doces.

E, por incrível que pareça, por outro lado, a convivência não é garantia de felicidade. Essas mesmas pessoas, se colocadas para viverem o dia-a-dia na mesma casa, dormindo juntos todas as noites, fazendo em comum as refeições, dividindo sonhos e problemas, contas e alegrias, talvez não consigam permanecer juntas. Porque a rotina mata a paixão. A intimidade anula o respeito. A facilidade do contato abafa o desejo.

Paradoxal…

A solução? Não a tenho. Mas penso que o melhor caminho é viver relações como se fôssemos, ao mesmo tempo, as pipas e as mãos que as empinam. Darmos toda a linha para a distância necessária, mas segurarmos com a firmeza suficiente para que não se afaste muito, nem se vá para sempre…

Cultivarmos as asas, uns dos outros, para que todos possam voar livres. Mas firmarmos suas raízes junto de nós para que sempre voltem.

Porque sempre haverá o momento do eclipse, em que os encontros encantados acontecerão, e a paixão dominará…