Texto de Lya Luft- Canção das mulheres

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“Que o outro saiba quando estou com medo, e me tome nos braços sem fazer perguntas demais.

Que o outro note quando preciso de silêncio e não vá embora batendo a porta, mas entenda que não o amarei menos porque estou quieta.

Que o outro aceite que me preocupo com ele e não se irrite com minha solicitude, e se ela for excessiva saiba me dizer isso com delicadeza ou bom humor.

Que o outro perceba minha fragilidade e não ria de mim, nem se aproveite disso.

Que se eu faço uma bobagem o outro goste um pouco mais de mim, porque também preciso poder fazer tolices tantas vezes.

Que se estou apenas cansada o outro não pense logo que estou nervosa, ou doente, ou agressiva, nem diga que reclamo demais.

Que o outro sinta quanto me dóia idéia da perda, e ouse ficar comigo um pouco – em lugar de voltar logo à sua vida.

Que se estou numa fase ruim o outro seja meu cúmplice, mas sem fazer alarde nem dizendo ”Olha que estou tendo muita paciência com você!”

Que quando sem querer eu digo uma coisa bem inadequada diante de mais pessoas, o outro não me exponha nem me ridicularize.

Que se eventualmente perco a paciência, perco a graça e perco a compostura, o outro ainda assim me ache linda e me admire.

Que o outro não me considere sempre disponível, sempre necessariamente compreensiva, mas me aceite quando não estou podendo ser nada disso.

Que, finalmente, o outro entenda que mesmo se às vezes me esforço, não sou, nem devo ser, a mulher-maravilha, mas apenas uma pessoa: vulnerável e forte, incapaz e gloriosa, assustada e audaciosa – uma mulher.”

 

Hoje é dia da saudade

 

 

Revejo as publicações de meu blog – entre textos e poesias de minha autoria e de outros autores, são mais de 60 – sessenta – posts falando em saudade.

Mas tenho certeza que o assunto não se esgotou.

Que ainda escreverei outros tantos textos e outras muitas poesias falando dessa saudade que me inunda. E lerei e transcreverei aqueles de outros escritores e poetas.

Porque a saudade é um rio caudaloso que não se esgota nunca.

E, quanto mais o tempo passa, mas saudades entram na nossa coleção.

Boas saudades, tristes saudades, saudades encantadas, saudades devastadoras.

Mas sempre saudades…

Essa saudade rasgada que nos toma de assalto e nos leva de volta ao passado próximo ou distante, mas sempre a momentos maravilhosos.

Porque não existe saudade do que não foi bom, de quem não se tatuou em nossa alma, do que não nos trouxe aconchego e alegria.

Viver é sentir saudades. E não é preciso um dia da saudade para que a sintamos. Porque elas, as saudades, estão aqui, noite e dia, dormindo ou acordado, nos sonhos ou mesmo pesadelos. Fiéis. Ocupando todos os espaços que a ausência de alguém deixou em cada um.

Essa sensação de carregar nos braços um vazio sem fim, sem nunca encontrar os outros braços que formarão o sonhado abraço.

Ouvir a voz de quem já não está perto. Sentir o perfume de quem se foi. Só encontrar em sonhos quem nos deixou.

Saudade, esse imenso espaço dentro da alma preenchido por ausências. O vácuo do sentimento.

A beleza de ter sentido algo tão intenso, que nem a perda, o abandono, ou a distância puderam anular. Se a paixão é ardente, se o amor é verdadeiro, quando nada mais restar, veremos que restou a saudade. Companhia eterna de quem amou e foi feliz.

Sentimentos

Todo o nosso saber começa nos sentimentos. (Leonardo da Vinci)

Numa bela tarde, os sentimentos passeavam pelo parque da casa da Imaginação, em uma comemoração em homenagem à Beleza, esperando começar a festa.

À beira do lago, numa sombra, a Esperança conversava com a Satisfação, a Lucidez e a Culpa, debatendo as razões dos males dos seres humanos.

O Desejo vagueava por todos os cantos, porque ainda não encontrara a homenageada e queria abraçá-la, antes que a Tristeza chegasse e estragasse a festa, como sempre fazia, sentindo-se muito solitário sem a companhia do Egoísmo, que não viera.

A Indecisão, a Vergonha e a Timidez preferiram ficar em um canto sombrio, afastadas, de onde podiam ver tudo que acontecia na festa, mas ninguém as via e, assim, sentiam-se melhor. A Melancolia passeava, suspirando e gemendo pelas sombras das árvores, bem longe da festiva comemoração.

Na varanda, despreocupadamente, a Felicidade, a Amizade, o Prazer e a Ambição jogavam cartas, em grande algazarra, pois eram muito amigos e unidos; sempre que se encontravam faziam uma festa quase particular.

Eram inevitáveis algumas discussões, como acontece quando muitos se reúnem. O Ódio e a Alegria discutiam acirradamente, cada um tentando vencer os argumentos do outro sobre a razão da homenagem à Beleza. O Ódio não concordava com a Imaginação festejar a existência da Beleza e não o fazer pela Maldade, sua melhor amiga e que nunca recebia homenagens.

Em um canto, discretamente, a Fé conversava com o Desespero, dando-lhe alento para enfrentar seus problemas e seguir a vida de forma mais leve.

A Imaginação andava entre as alamedas floridas, entre o Medo e a Loucura, seus companheiros de vida, e, aflita, via o tempo passar; ainda faltavam convidados que deveriam chegar antes da Beleza e de seu namorado, conforme combinaram.

Aos poucos, foram chegando os últimos convidados: o Orgulho, sempre arrogante, olhava todos de cima para baixo, como sempre acompanhado de seus amigos, Desprezo e Inveja.

Discreta, sem alarde, quase sem ser vista, chegou a Solidão; ficou num canto, aguardando o amigo Amor, que ainda não viera. Parecia ainda mais solitária sem ele.

De repente, em grande estilo e com muito barulho, veio a Ira, que gosta de aparecer. Chegava sempre mais tarde para que todos notassem sua entrada, bem espalhafatosa e nem sempre condizente com o local.

Súbito, o Amor, muito machucado, quase morto, apareceu na festa; o Desvelo e a Razão correram a seu encontro para tentar ajudar em alguma coisa. Nem notaram o constrangimento da Paixão ao vê-lo tão abatido por sua causa e, antes que alguém pudesse se dar conta do que acontecia, pois esperavam que ele viesse junto com a homenageada, sua eleita, sem nada entender, assistiram quando finalmente chegou a Beleza, de braços dados com o Ciúme.

Mais tarde, bem mais tarde, quando a festa já se acabava, e o Amor chorava suas mágoas no ombro da Angústia, finalmente apareceu a última convidada, para lhes fazer companhia. Aquela que sempre vinha depois: a Saudade.

(10.03.2009)

 

Jardim de saudades

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A vida é como um bosque. Por vezes cerrado, difícil de atravessar. Outras vezes, recanto de luz e poesia. Ao longo dos caminhos, flores em profusão. Flores do amor. Da paixão. Da saudade.

Flores: as cores da natureza. Para ressaltar a maravilha de todos os tons de verde contra o azul do céu, surgiram as flores. Com suas cores, tamanhos e formas variadas. Uma mais bela e exuberante do que a outra, encanto aos nossos olhos, alimentos de pássaros e de sentimentos.

Cada uma com seu destino. Morrer na haste ou ser colhida? Diz-se que colhemos as flores que mais gostamos; e cultivamos aquelas que amamos.

Colhidas, vão para os vasos de mesas e aparadores. Altares e sepulturas. Festas e velórios. Em cada arranjo, uma mensagem. De alegria ou de tristeza. De chegada ou de despedida.

Em meio a páginas de livros, guardo flores. E pétalas. Muitas flores e muitas pétalas. Recebidas de pessoas inesquecíveis, ainda que muitas vezes afastadas pelo decorrer da vida.

Flores ofertadas por amores e amigos. Mas sempre flores. Nada mais belo, mais singelo e mais emocionante do que receber flores. Seja uma singela flor, colhida apressadamente no canteiro da praça, seja um arranjo caprichosamente elaborado por mãos hábeis e olhos experientes em misturar cores, tamanhos e texturas. A emoção de receber é a mesma. Sempre.

Algumas vezes as flores são simbolicamente ofertadas. Na impossibilidade de ser uma flor real, entrega-se um afago, um olhar carinhoso, um abraço sincero. E nossa alma recebe como se fossem flores imateriais, que guardaremos para sempre.

São as rosas as mais belas, as mais perfeitas da natureza? Talvez, desde o botão de rosa, que já é lindo antes mesmo de se abrir, até a rosa exaurida em sua beleza totalmente exposta.

As margaridas, alegres em seus miolinhos de cores contrastante com as pétalas em sua volta.

As prímulas, efusão de cores. As orquídeas, elegantes e atemporais. A delicadeza do miosótis. A ostentação das tulipas coloridas.

Caminhos de hortênsias. Buganvílias nas beiras das estradas… Hibiscos nas praças, cravos e cravinas nos canteiros. Alamandas fazendo arcos nas passagens, onze horas, buquês de lantanas, gerânios, lírios, cíclames, flores do campo. A elegância das camélias e gardênias, a alegria do girassol e das astromélias. Cascata de petúnias. Dama-da-noite atendendo pedidos das pessoas no tempo da florada, com seu perfume inconfundível.

São tantas as flores, que é difícil escolher um.

Tive, um dia, meu jardim de rosas. Lindas. Rosas brancas, vermelhas, cor-de-rosa, coral e suas nuances. Uma roseira – arbustiva e linda – me retribuía meu amor com rosas de duas cores diferentes. Tanto mais eu as amava, mais elas floresciam.

Foi-se meu jardim de rosas. Foi-se meu tempo de cultivar flores. Mas tudo deixou saudade. Cultivo, hoje, em minha vida, um vasto jardim de saudades. Das pessoas que se foram (especialmente meu pai, que partiu recentemente para conhecer as flores do céu). De situações alegres. De tempo em que as risadas eram mais frequentes que as lágrimas. Saudade de ter mais amanhãs do que ontem na minha vida.

Hoje, à falta de um jardim de flores coloridas, trago em mim esse jardim de flores de saudade.

(publicado pela Oficina do Livro na antologia Um Jardim em Palavras)

Tristes memórias

Naquele dia “12 de abril de 1945” eu vi meu primeiro campo de horrores. Ficava próximo à cidade de Gotha. Nunca fui capaz de descrever minhas reações emocionais quando encarei pela primeira vez a evidência inquestionável da brutalidade nazista e o desrespeito cruel a qualquer senso de decência. Até então eu só conhecia aquilo em termos gerais ou através de fontes secundárias. Estou certo, no entanto, de que jamais, em qualquer momento, experimentei uma sensação de choque igual. Visitei cada canto e esconderijo do campo pois senti que era meu dever estar em posição, a partir de então, de testemunhar em primeira mão sobre aquelas coisas, caso em algum momento surgisse a crença ou hipótese de que “as histórias de brutalidade nazista foram apenas propaganda”. Alguns integrantes da equipe de visitação foram incapazes de prosseguir com o suplício. Eu não só o fiz como, assim que retornei ao quartel-general de Patton naquela tarde, mandei mensagens a Washington e Londres requisitando que ambos os governos enviassem instantaneamente à Alemanha um grupo aleatório de editores de jornal e grupos de representantes das legislaturas nacionais. Senti que a evidência deveria ser apresentada imediatamente aos públicos americano e britânico de uma maneira que não deixaria lugar para dúvidas cínicas.

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A evidência visual e o testemunho verbal da fome, crueldade e bestialidade foram tão esmagadores que me deixaram um pouco enjoado. Em um determinado cômodo, eles haviam empilhado vinte ou trinta homens nus, mortos de fome, e George Patton não foi capaz nem de entrar. Ele disse que ficaria enjoado se o fizesse. Eu fiz a visita deliberadamente, com a intenção de ser capaz de dar um testemunho em primeira mão dessas coisas caso no futuro surja uma tendência em atribuir essas acusações à mera “propaganda”. (Dwight D. Eisenhower, Comandante Supremo das Forças Aliadas)

Hoje, 27 de janeiro, é o dia dedicado à lembrança dos horrores da Segunda Guerra. Fixado nessa data, na qual, no ano de 1945, os soviéticos libertaram os prisioneiros do campo de extermínio de Auschwitz-Birkenau. 

Mas não um dia de comemoração. Porque nada há a ser comemorado. Só muita lembrança triste. Opressiva.

Convivi com sobreviventes de alguns desses lugares. Chorei todas as vezes em que ouvi suas histórias.

Um traço comum entre todos era contar a história diversas vezes e mostrar o número tatuado no braço, como se tivessem medo que não eu não acreditasse. Eu sempre acreditei. Essa página horrível da história sempre me tocou profundamente, como se eu tivesse participado de tanto sofrimento.

E os relatos eram sempre assemelhados – crianças, ainda, levados com a família, não sabiam para onde estavam indo. Não havia nenhum tipo de divulgação do que viriam a sofrer, a que seriam submetidos. Ao chegarem, as famílias eram separadas – homens para um setor, mulheres para outro. Era a última vez em que se viam.

A maioria relata que a mãe não aguentou muito tempo, morrendo logo, de fome, fraqueza ou doenças ali existentes.

Outros relatam que sobreviveram porque eram os mais jovens da família e viram o pai / a mãe / irmãos ou irmãs mais velhos morrerem ou serem mortos.

Quando da chegada dos aliados, esses sobreviventes (sobreviventes?????) foram encontrados em condições indescritíveis, de acordo com seus salvadores.

Por isso 27 de janeiro não é dia de comemoração.

É dia de recolhimento, meditação. De pensarmos como a humanidade pode assistir a tal horror. E lutarmos para que o holocausto não seja esquecido e muito menos negado, e sempre lembrado nesse dia dedicado à memória das vítimas.

Marian Turski, 93 anos, judia polonesa sobrevivente, nos adverte : ”Auschwitz n’est pas tombé du ciel soudainement, Auschwitz trottinait, marchait à petits pas, se rapprochait, jusqu’à ce qu’il arrivât ce qui est arrivé ici” (Auschwitz não caiu do céu repentinamente, Auschwitz trotou, andou a passos pequenos, aproximou-se, até que aconteceu tudo o que aconteceu aqui), e termina suplicando aos políticos, poderosos e ao povo: “Não sejam indiferentes!”

Nunca estaremos totalmente livres de outro regime de horror. Mas se não negarmos que já existiu, se estivermos alertas aos primeiros passos (desde a abjeta substituição da bandeira de um país pela bandeira de um partido político nas manifestações públicas, por exemplo), unidos no bem e em nome do bem, conseguiremos evitar se repita.

Mas – volto a afirmar – hoje não é dia de comemorar nada, exatamente nada.

Da depressão

Quero ser forte o bastante para enfrentar as dificuldades do meu caminho, sem me tornar tão injusto a ponto de ignorar a dor das outras pessoas. Quero viver com plenitude cada momento que me ofereça conforto, sem deixar de dar a devida atenção às pequenas coisas da vida ou de ser grato por tudo que já me aconteceu de bom. Quero urgência na realização dos meus sonhos, sem que para isso eu venha a me transformar num ser egoísta e capaz de destruir os sonhos alheios só para atingir os meus objetivos. Quero que o amor seja o centro do meu universo, mas também quero que o meu universo seja o centro do amor de alguém. A paz interior se resume na arte de ser feliz e permitir que a nossa felicidade se espalhe por onde quer que a gente passe. Quero fazer do tempo o meu principal aliado, pois a vida é como uma linda poesia que se escreve um dia após o outro – por mais que seja bela, ela sempre há de terminar num esperado derradeiro e inevitável ponto final. (Coach Bueno)

 

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Esse rapaz – Roberto Bueno, mais conhecido como Coach Bueno – aparentava ter a vida que milhões de brasileiros sonham. Mudou-se para Flórida, nos Estados Unidos,  e lá conseguiu sucesso e dinheiro. Em dólares. Era personal trainer de ricos e famosos, lapidando corpos e angariando amizades. Esse texto acima foi sua última postagem. Outubro de 2019. Depois se suicidou.

Atônitos, todos se perguntaram – por que?

Ele “levantava o astral” de todos, postava mensagens ultra positivas, sempre tinha uma palavra para animar as pessoas. Cuidou de tantos, mas quem cuidou dele?

Essa é a triste realidade da depressão: poucas pessoas entendem a doença e menos pessoas ainda conseguem lidar com a situação e dar a assistência e o suporte que o deprimido necessita. Há muita depressão por aí que sequer é notada pela própria família do doente. Só quando chega nos últimos degraus da doença.

Sim, a depressão é uma doença. Não só psíquica. Mas física. O doente simplesmente não consegue sair sozinho. Necessita ajuda médica – de psiquiatra, medicamentos, apoio familiar e mesmo psicoterapia. Não sou da área, falo como observadora.

Justamente o apoio familiar é o que costuma faltar. No início, sem entender o que está acontecendo, os familiares passam a acusar o deprimido de estar desanimado, preguiçoso e coisas assim. Quando ele desaba, começam as besteiras – reza que passa, você precisa se animar, você precisa reagir… como se dependesse da vontade dele superar a crise.

Quando quase tudo está perdido, entendem o que está acontecendo e o levam ao médico. Começa o tratamento. A família respira aliviada – agora vai!, dizem todos.

Vai, vai se matar. Porque assim que começa a reagir aos remédios e tomar as rédeas da vontade, ainda se debatendo num buraco negro, vendo um horizonte que é do tamanho da boca do buraco, acredita que a única saída é morrer – e criou energia suficiente para isso.

Como o mundo está despreparado para lidar com a depressão! Deveria existir curso para as famílias dos deprimidos entenderem o que é isso e do que ele precisa.

A começar de vigilância – isso mesmo, mais que companhia, vigilância – 24 horas por dia, sete dias por semana.

Não é companhia para ver tv, conversar, nada. Apenas alguém “de olho” no doente.

E muito carinho, muita atenção, na forma de cuidados – mantendo-o alimentado, higienizado, acordado e prestando atenção em suas reações. E, quando começar a reagir, mais atenção ainda. É hora de convencê-lo a sair ao ar livre, caminhar um pouco, mas sem forçá-lo a nada.

É complicado? É. É difícil? É. É massacrante para quem fica nessa função? É.

Mas é a única forma de trazer de novo à vida quem afundou na depressão.

E, no dia em, já recuperado, ele voltar a sorrir, todo o esforço terá sido recompensado.