Ventos do pensamento (Memória)

A tragédia da velhice não está em se ser velho, mas sim em se ter sido jovem.
(Oscar Wilde)

A tela continua branca, depois de uns dez minutos que aqui estou. Se escrevesse à moda antiga diria que a folha continua branca. Os pensamentos voam, não necessariamente junto com o tempo.

Porque o tempo voa de forma ordenada, com a lógica cronológica.. Os pensamentos, pelo contrario, voam desordenadamente, vão, voltam, somem, outros surgem, como papéis soltos em uma ventania.

É exatamente isso: uma ventania.

Acho que mais que uma ventania minha mente enfrenta um tornado, um furacão.

E assim fica difícil agarrar um único pensamento, laçá-lo como se fosse um cavalo selvagem, domá-lo para finalmente o expor.

Nenhuma ideia passa perto o suficiente para ser então apreendida.

São sensações dos novos tempos, da vida moderna.

Recebemos simultaneamente milhares de informações, não temos tempo hábil para processá-las. Nossa memória superficial não recebe a faxina necessária para separar o que não precisa ser guardado e se livrar disso e enviar para a memória profunda tudo o que precisa ser arquivado.

Usamos melhor nosso computador do que nosso cérebro, ignorando que o computador é burro, sem nosso cérebro ele nada vale.

Enquanto estou aqui escrevendo minha mente vagueia por preocupações, serviços por fazer, tarefas não cumpridas, montando mirabolantes agendas inexequíveis, indagando se acharam o avião que sumiu no mar, se vai fazer frio no final de semana, preciso ir ao supermercado, quero acabar um colete de tricô para usar ainda neste inverno…

Para viver de acordo com este tempo tão curto levantamos cada dia mais cedo, vamos dormir mais tarde, e nem por isso o tempo rende mais.

E nesse roldão envelhecemos sem perceber. Por vezes um acontecimento extra nos tira dessa confusão e nos damos conta de quanto tempo passou desde a última vez que saímos para dançar; visitamos uma querida prima idosa; fomos caminhar lentamente sábado à tarde à beira-mar tomando um sorvete de casquinha, ou simplesmente saímos para dirigir pelo puro prazer de dirigir, ou de moto só para pilotar, indo a lugares próximos,  pitorescos, para encontrar um grupo de amigos também em passeio sem nenhum propósito que não seja passear, numa demonstração explícita e assumida de deixar o tempo passar. São singelos prazeres que já não nos permitimos, porque não podemos perder tempo.

O tempo não nos pertence, não está em nossa posse, por isso não podemos perdê-lo.

O tempo pertence ao tempo, e não passa, apenas gira. Nós é que passamos.

E com toda nossa pressa, com toda nossa eficiência, passaremos, e o tempo, brincalhão e gozador, continuará girando indefinidamente em redor dos homens que tentam  inutilmente segurá-lo.