Dia: 19 de outubro, 2022
Poesia, encanto e paixão (Memória)
19 de outubro. Que dia especial! Data de nascimento daquele que despertou minha ternura. Ensinou-me – na prática – o que é paixão platônica. Como você pode se apaixonar a quilômetros de distância e permanecer em estado de encantamento. Como você pode nunca consumar um amor e mesmo assim continuar amando…
“Não é maior o coração que a alma
Nem melhor a presença que a saudade
Só te amar é divino, e sentir calma…” [1]
Seu olhar peculiar da vida, das mulheres, das relações amorosas (muito mais entendido em separações do que em casamento, por não conseguir viver sozinho nem seguir casado…) mostravam um outro universo.[2]
Ele era feito de paixão e poesia,: “Vinicius é o único poeta brasileiro que ousou viver sob o signo da paixão. Quer dizer, da poesia em estado natural. Eu queria ter sido Vinicius de Moraes” (Carlos Drummond de Andrade)
Com ele aprendi que paixão é encanto.
Ensinou-me que mesmo não sendo eterno, o amor pode ser infinito. [3]
Muito cedo conheci a poesia e ela me fascinava. Li Vinicius de Moraes. Então conheci a Poesia. E apaixonei-me eterna e profundamente por sua poesia – não caberia nessa página do blog toda a poesia de Vinicius. Nem mesmo aquelas que mais gosto: Trecho, Soneto da Véspera, Ausência, Sursum, A volta da mulher morena, Elegia na morte de Clodoaldo Pereira da Silva Moraes, Poeta e Cidadão (escrito quando da morte de seu pai, Clodoaldo), Sonata (isso mesmo: Sonata) do amor perdido, o insuperável Soneto da separação, Soneto da hora final. Soneto do amor como um rio, Poética (I e II)…
É tanta poesia, tanto lirismo, que acabei me apaixonando pela poesia e pelo poeta.
Um poeta que escreveu poesias à Poesia… [4]
“Solidão, peçam-lhe, oh peçam-lhe que se cale
Por um momento, que não me chame
Porque não posso ir
Não posso ir
Não posso.Mas não a traí. Em meu coração
Vive a sua imagem pertencida, e nada direi que possa
Envergonhá-la. A minha ausência.
É também um sortilégio
Do seu amor por mim. Vivo do desejo de revê-Ia
Num mundo em paz. Minha paixão de homem
Resta comigo; minha solidão resta comigo; minha
Loucura resta comigo. Talvez eu deva
Morrer sem vê-Ia mais, sem sentir mais
O gosto de suas lágrimas, olhá-la correr
Livre e nua nas praias e nos céus
E nas ruas da minha insônia. Digam-lhe que é esse
O meu martírio…
…
Por isso convençam a ela, expliquem-lhe que é terrível
Peçam-lhe de joelhos que não me esqueça, que me ame
Que me espere, porque sou seu, apenas seu; mas que agora
É mais forte do que eu, não posso ir
Não é possível
Me é totalmente impossível
Não pode ser não
É impossível
Não posso.”
O lirismo dava ritmo aos versos, na forma das ondas do mar
“Oh, minha amada
Que os olhos teus
São cais noturnos
Cheios de adeus
São docas mansas
Trilhando luzes
Que brilham longe
Longe nos breus…” [5]
Ou, do balançar de uma cadeira, a maior dor de um pai
“Homem sentado na cadeira de balanço
Sentado na cadeira de balanço
Na cadeira de balanço
De balanço
Balanço do filho morto.”[6]
Como nenhum outro, ele foi Poeta. Sua alma era a Poesia, ele a enfrentava, ele sofria por ela, ele sucumbia à paixão, em forma de poesia
“Porque a poesia foi para mim uma mulher cruel em cujos braços me abandonei sem remissão, sem sequer pedir perdão a todas as mulheres que por ela abandonei.
E assim como sei que toda a minha vida foi uma luta para que ninguém tivesse mais que lutar:
Assim é o canto que te quero cantar, Pedro, meu filho…”[7]
Sua poesia transcendia a audição – ou visão – para falar direto ao coração de quem a conheceu
“… Eu sei que vou chorar
A cada ausência tua eu vou chorar
Mas cada volta tua há de apagar
O que essa ausência tua me causou
Eu sei que vou sofrer a eterna desventura de viver
A espera de viver ao lado teu
Por toda a minha vida” [8]
Um lirismo simplesmente deslumbrante
“… Você tem que vir comigo em meu caminho
E talvez o meu caminho seja triste pra você
Os seus olhos tem que ser só dos meus olhos
Os seus braços o meu ninho
No silêncio de depois
E você tem que ser a estrela derradeira
Minha amiga e companheira
No infinito de nós dois” [9]
Sem dúvida, na minha preferência, está o Soneto da Quarta-feira de Cinzas, que elegi como a poesia da minha alma:
“Por seres quem me foste, grave e pura
Em tão doce surpresa conquistada
Por seres uma branca criatura
De uma brancura de manhã raiada
Por seres de uma rara formosura
Malgrado a vida dura e atormentada
Por seres mais que a simples aventura
E menos que a constante namorada
Porque te vi nascer de mim sozinha
Como a noturna flor desabrochada
A uma fala de amor, talvez perjura
Por não te possuir, tendo-te minha
Por só quereres tudo, e eu dar-te nada
Hei de lembrar-te sempre com ternura”
E depois de ler toda sua poesia, busquei sua prosa, sua dramaturgia, vi todos seus shows e ouvi todas suas músicas.
Tornou-se meu ídolo maior. Então percebi que até por ele era apaixonada também. Suas ideias, sua cultura notável, suas palavras, sua vida tão sem rotina. E, ainda por cima, dividíamos uma paixão: o whisky. O dele, com gelo, o meu, puro.
Fã incondicional, segui seus passos enquanto foi possível, até aquele triste dia 9 de julho em que ele nos deixou.
Agora ele já não ama, não sonha…
“Ó, quem me dera não sonhar mais nunca
Nada ter de tristezas nem saudades
Ser apenas Moraes sem ser Vinicius!
Ah, pudesse eu jamais, me levantando
Espiar a janela sem paisagem
O céu sem tempo e o tempo sem memória!
Que hei de fazer de mim que sofro tudo
…………………
É muito triste se sofrer tão moço
Sabendo que não há nenhum remédio
E se tendo que ver a cada instante
Que é assim mesmo, que mais tarde passa
Que sorrir é questão de paciência
E que a aventura é que governa a vida
Ó ideal misérrimo, te quero:
Sentir-me apenas homem e não poeta!” [10]
Há tanto, tanto, a falar sobre ele e o vazio que ficou nesse mundo sem Vinicius…
Mas, desde sempre, todo dia 19 de outubro eu paro minhas atividades, leio seus poemas e faço uma prece para que ele esteja em paz e feliz. A bênção, Poetinha! Saravá!
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[1] Soneto da contrição
[2] A mulher que passa
[3] De tudo, ao meu amor serei atento antes
E com tal zelo, e sempre, e tanto
Que mesmo em face do maior encanto
Dele se encante mais meu pensamento
Quero vivê-lo em cada vão momento
E em seu louvor hei de espalhar meu canto
E rir meu riso e derramar meu pranto
Ao seu pesar ou seu contentamento
E assim quando mais tarde me procure
Quem sabe a morte, angústia de quem vive
Quem sabe a solidão, fim de quem ama
Eu possa lhe dizer do amor (que tive):
Que não seja imortal, posto que é chama
Mas que seja infinito enquanto dure
[4] Mensagem à Poesia
[5] Poema dos olhos da amada
[6] Balanço do filho morto
[7] Pedro, meu filho
[8] Eu sei que vou te amar
[9] Minha namorada
[10] Elegia quase uma ode