Não sou como a abelha saqueadora que vai sugar o mel de uma flor, e depois de outra flor. Sou como o negro escaravelho que se enclausura no seio de uma única rosa e vive nela até que ela feche as pétalas sobre ele; e abafado neste aperto supremo, morre entre os braços da flor que elegeu. (Roger Martin du Gard)
Leio essa frase e começo a pensar sobre seu significado.
Quem é abelha, quem é escaravelho?
Pela leveza, beleza, pela doçura que produz, a abelha parece mais atraente. Pela alegria do voo, pela diversidade de flores com que se relaciona, pelo companheirismo que existe na colmeia – nunca se viu uma abelha abandonada, morando sozinha num favo, morrendo de solidão, aparentemente a vida da abelha é bem mais confortável.
Do outro lado temos o feio e pesado escaravelho. Que, logo à primeira vista, assusta. Causa asco e pavor.
Que bicho feio!
Antissocial – prefere se enclausurar e morrer de tristeza, privações e solidão dentro de uma única rosa.
Parece tão simples a escolha: ser abelha é viver feliz, trocar de parceiro para buscar novo néctar na vida sempre que desejar, viver em uma feliz e pacífica comunidade, onde todos se unem ao esforço comum de produzir mel. Que beleza!!!!!
Como a vida seria simples e bonita se fôssemos abelhas!
Mas, na verdade, nós preferimos ser escaravelhos. Nossas escolhas sempre nos levam a essa opção.
Quando nos apaixonamos, ficamos cegos ao mundo. Entramos na nossa paixão, a elegemos como a “nossa rosa” e ali ficamos. Não conseguimos ter discernimento suficiente para perceber quando essa paixão minou, acabou, nada mais nos oferece mas tudo nos suga.
Não nos damos contas das pétalas da paixão agonizante se fechando sobre nós, abafando, estrangulando, tirando nossa capacidade de respirar.
E insistimos em permanecer num relacionamento falido, que tira nossa alegria de viver, que nos faz desistir da vida tentando recuperar um sentimento que não mais existe.
Porque o encanto da paixão só acontece uma vez.
Quando vimos a “nossa rosa” e nos atiramos, e a amamos, e morremos de paixão por ela, era um sentimento vivo, que nos dava a vontade imensa de viver e curtir essa realidade tão maravilhosa.
Mas na hora que a paixão ficou só com o escaravelho, e a rosa apenas o suga e abafa até a morte, deixando de ser flor e se tornando serpente com seu abraço fatal, não compensa insistir em continuar carregando esse espectro do que um dia foi a razão do próprio viver.
E concluo, então, que por mais que queiramos ser abelha, quando a paixão nos cega, na verdade, nos tornamos, por livre e espontânea vontade, o escaravelho que morrerá nos braços de sua rosa.