
Fomos – todos nós – transformados em ostras.
Se não formos alforriados desse isolamento idiota, acabaremos até mesmo produzindo pérolas.
As ostras que estão machos deixam seus espermatozoides na água, onde são absorvidos pelas fêmeas para a fecundação (detalhe: ostras são hermafroditas, alternando seu gênero seguidamente). Os óvulos, uma vez fecundados, são expelidos em forma de larvas, e, amadurecendo, se fixam em um lugar. Dali nunca mais sairão.
Se algo entra no interior da ostra e a irrita, ela irá se defender do invasor recobrindo-o com camadas de nácar (a conhecida madrepérola), isolando-o completamente de seu organismo. Isso será a valiosa pérola.
Antes da peste chinesa nós vivíamos livres – ao menos aqui no Ocidente.
Veio a doença e precisamos nos fixar em algum lugar e nunca mais sair.
Muitos estão morrendo em sua prisão sem condenação. Assim, sua fixação em um lugar foi fatal.
A falta de informações concretas e lógicas, a disseminação do pânico e alarmismo desenfreado levaram à histeria coletiva – todos se trancaram, fecharam-se em si mesmos, como conchas. Verdadeiras ostras.
E, constantemente bombardeados pelas notícias negativas, pela convivência forçada, pelo medo do futuro que se mostra a cada dia mais inseguro, todos começaremos a produzir o nácar que nos blindará, isolando dentro de nós o desespero do confinamento compulsório, da falta de expectativas, da névoa pesada que se forma no horizonte de nossa vida.
Só nos falta, mesmo, até o fim dessa situação-limite, começarmos a produzir pérolas…

(Venço, hoje, meu próprio desafio, de postar por cem dias seguidos no blog. Pode não ter sido fácil, mas foi bastante divertido)