
Queria hoje fazer um prato especial. Pediram um macarrão. Resolveu fazer o melhor macarrão de sua vida. Que trouxesse ao paladar as mais secretas memórias de cada um dos convidados e familiares que estariam presentes na grande mesa. Os jantares se tornavam a cada dia mais raros. Ninguém tinha tempo para ninguém, embora sobrasse tempo para internets e lives.
Gostava da vida, de viver, de se sentir viva. E, mesmo com o rótulo “live”, via as relações virtuais e os encontros digitais como prenúncio da morte.
Por isso, periodicamente, reunia por volta de uma dúzia de pessoas ao redor da grande mesa, artisticamente composta, para conversarem de verdade. De perto. Como gente e não como máquinas.
Os celulares ficavam, devidamente desligados, no grande vaso de cristal sobre o aparador.
Voltou à cozinha, para terminar o prato-surpresa. Que prazer cozinhar para as pessoas que se ama e repartir uma refeição! Como é gostoso preparar um prato que todos gostam e, ao mesmo tempo tão simples, como um belo macarrão, precedido de entradinhas saborosas e acompanhados de um vinho italiano especial.
Pensou que a preparação de um prato é mais ou menos como viver. Uma comida bem feita equivale a uma vida bem vivida.
Qual o ingrediente mais importante da vida? Nas palavras de seu falecido avô (que saudade sem fim!), é a alegria. Quanto mais alegria, melhor.
Entornou o azeite generosamente na panela e deixou o líquido tomar conta de todo o fundo. Azeite era alegria, trazia consigo os mistérios das oliveiras eternas.
Também na vida são importante amigos e bons colegas. Juntou alho e cebola e deixou que se fritassem lentamente, tirando de cada um o que de melhor tinham a juntar naquela vida que se formava.
Inevitáveis algumas tristezas, que devem ser sentidas na dose certa para não estragar o viver, juntou o sal e, pelos aborrecimentos, a pimenta seca que realça o sabor e a pimenta fresca que desperta o paladar.
Para colorir a vida e lhe dar beleza, acrescentou os tomates e muitas ervas frescas, dos vasos que cultivava com tanto carinho. A vida tomava corpo, cor e o perfume do encanto.
Mas isso não basta. Para a vida ficar melhor ainda, há de ter uma resistência, um fundo forte para lhe dar sustentação.
Buscou então a caixinha mágica e foi acrescentando as ervas secas, em porções diferentes, algumas em pitadas, outras em punhados, – orégano, louro, colorau, tomilho, alecrim, estragão e sálvia.
Curiosa, provou o sabor. Quase extraordinário.
Divertida, pensou nas batalhas travadas pelas especiarias, e concluiu que valeram a pena. Embora não entendesse como as pessoas hoje podiam comprar comidas de micro-ondas e temperos em cubinhos, sem dosar nada, sem saber como se faz, sem ter o prazer do antes, do fazer, do ver surgir.
Deixou ferver. Como a vida fervilhava em torno de todos nós, com dias cada vez mais curtos, amores comprados, todos apressadamente correndo sem usufruir daquilo que conquistavam.
Olhou para o relógio.
Precisava terminar esse molho. O cheiro estava maravilhoso e inspirador. Como a vida que desejamos. Mas o sabor estava incompleto. Faltava algo que expressasse o prazer, o ponto acima do simples viver no modo automático.
Pensou na paixão. Que deve ser presente, ardente, constante.
O grande segredo da vida é a paixão. A mistura do amor com a atração.
Então rapidamente despejou a massa que acabava de cozinhar no molho e inundou tudo com a manteiga e o queijo, provocando a reação química mais encantadora que a vida nos pode proporcionar.
Que bonita crônica.
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