Estou começando a ficar preocupada com a quarentena.
Não com o coronavírus nem com a possibilidade de eventualmente contrair o bicho e ficar doente (nem morrer, porque, como sempre falo, de tiro, faca, pancada ou vírus, um dia terei de morrer).
Mas preocupada com as pessoas em quarentena.
Tenho conversado com diversas pessoas, das mais variadas idades, ocupações e posições. E verificado a disposição emocional de todos.
Tenho uma certa prática de entender distúrbios emocionais.
E vejo que a quarentena, por volta do vigésimo dia, começa a perturbar muitas pessoas. Talvez não só a quarentena, mas também a enxurrada de más notícias, idiotas metidos a jornalistas disseminando pânico e mentiras. Todos com saúde, mas com muito medo de morrer. Como se dona Ceifeira estivesse atrás da porta, esperando para dar o golpe.
E a cada dia mais notícias ainda mais alarmantes. Sem qualquer conexão com a realidade.
Por exemplo: o tal greenwald anunciou, através de seu intercept, há algumas semanas, que hoje, no dia 06 de abril, 5.571 (número dado com precisão cirúrgica, sem fonte) – cinco mil, quinhentos e setenta e um – mortos por coronavírus no Brasil.
Tentou ser o Orwell da modernidade. Falhou. Hoje é 06 de abril. Não temos 10% de sua porca projeção.
E gritaram, gritaram: FIQUEM EM CASA! ABRIL SERÁ TERRÍVEL. TEREMOS O PICO DE DOENTES E MORTOS.
E abril avança no tempo, há doentes, há alguns mortos, há curas… ou seja, tudo como em março.
Da porta para fora das casas. Porque, dentro da casa e de muitos dos isolados compulsórios, a coisa desanda dia-a-dia.
Todos os idosos em casa. Até dois meses atrás, eram incentivados a passeios, viagens, academias, com a mentira de que viviam “na melhor idade”. E eu, também idosa, sempre me perguntava: melhor idade para que? Para ficar doente, para morrer? Porque a melhor idade eu a tive há trinta anos atrás, jovem, independente emocional e economicamente, no auge do sentimento de imortalidade.
Da mesma forma que nunca embarquei nessa ideia de melhor idade, agora não aceito do rótulo de pré-morta-pela-peste-chinesa. Fico em casa. Como sempre fiquei. Ainda que não concorde com a obrigatoriedade, e não me deixo contagiar pelo clima pessimista e alarmista do já-morreu.
Mas meus amigos, queridos, amados, próximos no coração, ainda que distantes geograficamente, não estão suportando essa solidão inusitada e compulsória.
Enquanto eu sempre fui solitária, 24 anos trabalhando em home office, sempre dentro do escritório de casa, mais de 10, 12 horas/dia, todos os outros andavam. Saíam para trabalhar, para passear, para bater rua, para ir a lugar nenhum. Mas ninguém dentro de casa.
Durante muito tempo eu morei em uma cidade que não me agradava. Para suportar, construí meu mundo – piscina, academia, sauna, sala de jogos, viveiro de pássaros, horta, pomar e jardim. Muros que mais pareciam paredes de tão altos. Muito verde e muito silêncio. E ali enfrentei mais de dez anos com os portões fechados pelo desprazer de morar na cidade, mas feliz com a minha casa. Não morava naquela cidade, morava na MINHA CASA.
Portanto, reafirmo que não tenho a menor dificuldade de ficar em casa, até gosto.
Mas sou da linha de Voltaire para tudo. Mesmo preferindo ficar em casa, defendo o direito de quem prefere passear.
Por isso, acompanho com preocupação a situação dos amigos – não daqueles que simplesmente ignoram a quarentena. Reclamam da situação, mas furam por qualquer motivo. Frequentam reuniões, saem para caminhar…
O que me preocupa de verdade são os que estão cumprindo rigorosamente o isolamento, ainda que muito contrariados.
Alguns trabalhando no sistema home office, mas em completo pânico, com a ideia de que todos os contaminados morrerão. Que a peste chinesa é pior que a gripe espanhola.
Alarmados de forma descontrolada. De máscaras dentro de casa. Dispensaram todos os funcionários e não abrem a porta.
Outros, o que é ainda pior, sem necessitar trabalhar, passam o dia na internet ou na TV vendo as notícias mais escalafobéticas e ficam apavorados com medo de morrer. Se as notícias correspondessem à realidade eu nem estaria mais escrevendo, pois não teria mais leitores. Todos estariam mortos de peste chinesa.
E penso que essas pessoas, atormentadas pelo medo, pela idade, pela solidão, não conseguirão voltar ao que eram antes. Porque uma situação de medo continuada não faz bem a ninguém.
A pressão de que estão à beira da morte, embora com saúde e se sentindo bem, deixará marcas.
Populações e grupos já foram submetidos a isolamento por medo. Sabemos as consequências psicológicas que restaram.
O homem nasceu para a liberdade. Tudo que lhe é imposto de forma tão violenta e constritiva, lanhará sua alma para sempre. Porque perder a liberdade é pior que perder a própria vida: vê-se o fim da vida ainda em vida.
Eu resisto. Não uso máscara enquanto não for obrigatório. Mesmo porque, se desse resultado o uso, não haveria necessidade de fechamento de comércio e proibição de outras atividades. As coisas não estão bem explicadas. Se preciso vou ao banco, à quitanda, atendo minha mãe e quem precisar. Se for para morrer de peste, será sem me preocupar com a peste, dando a ela a exata dimensão e o exato valor que possui em minha vida: nenhum.