Mês: outubro 2020
Texto de Carolina Monsi

Eu desisti daquilo que um dia me fez sorrir, sentir frio na barriga e o meu coração palpitar. Eu desisti daquilo que já me fez bem e que fez a felicidade transbordar em mim. Eu desisti daquilo que um dia foi a minha melhor escolha, o meu melhor presente e o meu abraço favorito. Desisti de nós e se você acha que foi por falta de amor, está errado.
Eu desisti de você mesmo com todo o amor que carregava em mim. Eu desisti daquilo que me sufocou, me prendeu e me machucou. Eu desisti de fingir que estava tudo bem, dos seus carinhos calculados e das nossas conversas forçadas. É, hoje eu desisti de você e não foi porque eu não te amo mais. Falam que quem ama não desiste nunca. Mentira. Quem ama desiste sim. É que uma hora cansa, sabe? Cansa ter que correr atrás, pedir desculpas sem estar errado ou se dar conta de que a pessoa não te valoriza. É que isso tudo dói. Dói dar amor e não receber. E é por isso que eu fui indo embora.
Desistir é sobre amar. É sobre amar a si mais do que ama o outro. É sobre se valorizar, se querer bem e não se permitir ficar onde há desamor. E hoje eu percebo que a minha melhor escolha mesmo foi ter aberto mão de você, das nossas histórias e dos nossos planos. Agora vejo que desistir de você foi a maior prova de amor que me dei. Eu desisti de você porque você não pensou duas vezes em desistir de nós. Desisti de você para lutar por mim. Desisti de você porque não me permiti desistir de mim.
(Imagem: foto de Maria Alice)
Dia de poesia – Florbela Espanca – Amiga

Deixa-me ser a tua amiga, Amor;
A tua amiga só, já que não queres
Que pelo teu amor seja a melhor
A mais triste de todas as mulheres.
Que só, de ti, me venha mágoa e dor
O que me importa a mim?! O que quiseres
É sempre um sonho bom! Seja o que for,
Bendito sejas tu por mo dizeres!
Beija-me as mãos, Amor, devagarinho…
Como se os dois nascêssemos irmãos,
Aves cantando, ao sol, no mesmo ninho…
Beija-mas bem!… Que fantasia louca
Guardar assim, fechados, nestas mãos
Os beijos que sonhei pra minha boca!…
Cacos

Não ouviu o ruído do cristal se partindo.
Sentiu o coração apertado ao constatar a perda
Mesmo sendo antigo, mesmo desgastado pelo tempo
Era algo que trazia consigo há algumas décadas,
E não desejava ver tudo destruído tão de repente.
Olhou os pedaços espalhados brilhando sobre o tapete
Abaixou-se e começou a recolher cada brilho, cada fagulha
Alguns, mesmo lindos, mesmo pequenos, feriam seus dedos
Fazendo sangrar as lembranças de tempos idos, distantes
Tantos caquinhos que juntos tinham formado esse todo
Que agora chegava ao fim. Como a própria vida,
Tudo encontra seu fim, de alguma maneira, anunciada
Ou inesperada, mas há um momento em que se acaba.
Tentou, ainda, colocar cada pedacinho em seu lugar
Na frágil esperança que tudo poderia ser reconstruído.
Viu que era irrecuperável. Acabou de ajuntar
Todos os cacos ali espalhados, como lágrimas caídas
Colocou com carinho em um mesmo potinho
E, sentindo os olhos se umedecerem,
Jogou fora o que sobrara daquilo que um dia
Até mesmo chamara de amor. Mas acabou.
Realidade

Hoje fiz um pacto com a felicidade: não pensarei mais nela,
e para todo o sempre, eu não mais a procurarei.
Quando estávamos juntas, a felicidade me dizia
que ficaria sempre a meu lado, cuidaria de mim,
seguiríamos os mesmos caminhos. E eu acreditei.
Mas a felicidade me enganou. Porque eu a amava.
Um dia, simplesmente, sem qualquer motivo
ou explicação, virou-me as costas e se foi.
Para nunca mais voltar.
Enquanto ela estava aqui, a ilusão, o amor,
a alegria, o prazer e a esperança não saíam
de minha vida, tudo era lindo, tudo era festa.
Mas a felicidade se foi e levou todos eles.
Fiquei sozinha e desnorteada, buscando um porquê.
O desespero logo chegou e trouxe consigo a tristeza.
Vieram também a solidão e a desesperança.
E tomaram conta de mim, como a felicidade nunca fizera antes.
E mostraram a realidade: a felicidade nunca me amou de verdade,
pouco se importava comigo e trocou-me por outra.
Mas eles estarão para sempre aqui comigo.
Basta que eu não procure mais a felicidade,
basta que nunca mais eu seja feliz,
e que eu viva apenas de saudade.
20 de outubro: dia do poeta
