Na vida somos tempo, vento e riacho.
Porque há diferença no nosso agir, de acordo com as circunstâncias e as pessoas com as quais nos relacionamos. Com mais ou menos sentimentos, com mais ou menos intensidade, tudo depende do momento vivido.
Quando apenas passamos, indiferentes, somos tempo. Nada nem ninguém pode nos conter e poucos se dão conta de nossa passagem. Depois que já estamos longe, perplexos, perguntam-se por que nos fomos tão rápido, não nos detivemos um segundo sequer a mais diante do belo, do agradável, do que dá prazer. Mas somos o tempo – não podemos parar e seguimos rumo à eternidade.
Também somos vento.
Vento porque passamos tirando muita coisa do lugar, mostrando cantos que estavam perdidos no meio do pó acumulado de vidas desperdiçadas, passamos varrendo as folhas mortas, limpando os caminhos, bagunçando o cabelo das meninas e as saias das mulheres. Esvoaçamos em todas as direções, sem leme nem bússola. Levamos os papéis que estavam esquecido sobre as mesas. Sujamos de terra e areia as roupas estendidas nos varais, batemos portas e janelas com estrondo. Todos percebem nossa passagem, quando se dão conta que nada mais é como era antes de passarmos; mas nada nem ninguém pode nos conter. O vento nunca se detém nem para, apenas venta e segue seu destino.
E, outras vezes, somos riacho. Encontramos nossos semelhantes, com os quais cruzamos e por vezes caminhamos juntos alguns trechos e depois cada qual segue seu destino. Uns se perdem e secam pelo caminho. Outros aproveitam todas as chuvas e nascentes e se fortalecem. Seguem em correnteza volumosa, levando consigo tudo que conseguem alcançar, extrapolam seus limites, tornam-se rios. Por vezes se deixam até mesmo navegar. Mas não param. Nada pode contê-los – no máximo, represá-los temporaria e parcialmente, mas as comportas têm de ser abertas – seja pela partida em busca de outras oportunidades, seja pela separação, seja pela vontade de seguir seu próprio destino sem cordas nem anilhas. E seguem, com suas margens alargadas, cumprindo sua sina, que é morrer no mar.
Somos tudo isso. Simultaneamente. Destinos marcados e solitários. Por isso a inutilidade das preocupações e da ansiedade – seremos, apenas e sempre, – o deslocamento no caminho que nos leva do nascimento à morte.