Horas de preguiça, dias vadios, vida inútil. O tempo se arrasta como no pêndulo do velho relógio da sala que já não consegue marcar os segundos com exatidão.
O tempo parou.
No décimo-sexto dia do isolamento social compulsório já não mais se ouve nem o cantar dos pássaros. À falta de alimentos e do contato humano, eles desapareceram.
Tudo é silêncio. Tudo é indolência.
Há tantos dias fechadas as janelas, paira no ar um cheiro de pó e mofo.
Foi olhar o pratinho do gato – estava ali, intocado, há dias. O bichano desaparecera. Talvez morrera por aí, talvez algum faminto o transformara em pastéis. Nesses tempos horríveis impera o vale-tudo.
Pensou em tomar um café – amargo, porque já não tinha mais açúcar em casa. Tentou ferver a água, mas o gás acabou antes.
Mastigou as últimas bolachas de um pacote. Olhava para o telefone, antes tão útil e agora ali, mudo, há uma semana.
Dias e noites se sucediam em uma cadeia de tédio e desânimo. Indiferente se era verão ou inverno. Se chovia ou fazia sol. Dentro de casa é sempre a mesma hora, a mesma estação, a mesma condição meteorológica.
Sentou-se novamente na poltrona, de onde mal saía. Até mesmo dormir era ali. Sentia-se como parte da mobília ou da própria casa. Era matéria, tijolo, ferro, cimento, madeira, verniz… a alma se fora. Não conseguia mais suportar o passado ecoando em seus ouvidos. Ouvir apenas o silêncio. Compartilhar apenas ausências.
Cochilou. A fome veio para impedir o sono.
Levantou-se, tentando ouvir algum sinal de vida. Nada. Talvez mesmo o mundo tivesse acabado lá fora, e, por se manter nessa clausura sem fim, nada percebeu.
Foi até o quarto e abriu a gavetinha.
Ela estava ali, linda, limpa, perfeita e municiada. A arma que fora sua companheira tanto tempo, era fiel.
Deitou-se de forma relaxada e confortável. O estampido foi o único som que se ouviu naqueles dias.