Para ser não é preciso ter

Algumas vezes é difícil entender a relação entre os verbos ser e ter.

Quantas pessoas pensam que, para ser, é preciso ter.

E assim seguem vida afora tendo, ainda que à custa de dor e sofrimento alheio, de dívidas impagáveis, de terremotos e furacões existenciais, mas sempre necessitando ter para sentir ser.

Essas pessoas precisam de bens, muitos bens. Ainda que dispensáveis, inúteis, mas precisam ser donos. E precisam de coisas, de animais, de pessoas.

Vivem cercados de quinquilharias, em um ambiente poluído de excessos, mas só desta forma se sentem pessoa.

E precisam ter animais.

Negam aos bichos sua natureza – prendem pássaros em gaiolas (às vezes até mutilam suas asas ou cegam seus olhos), e se deleitam com o canto da ave, que não canta de alegria, mas de desespero pela falta do voo, da natureza, da vida livre.

Obrigam cães a viverem o dia e dormirem (em camas!) à noite, a usarem roupas, a deixarem de lado sua natureza de guarda e de caça, para viverem como réplicas mal feitas de humanos.

Na marra dão banho de água e sabonete em gatos, e os prendem em casas e apartamentos, sem que possam caçar, correr, saltar, dar existência à natureza de um felino.

Todos comem o que o dono quer, não há caça, não há liberdade, não há alegria, apenas a vaidade de uma pessoa.

Não se contentam em possuir um animal de estimação, violentando sua natureza, separando-o de todos os outros de sua espécie, causando um sofrimento contínuo ao bicho, mas ainda querem impor comportamento humano (à sua imagem e semelhança) aos coitados. Perdem toda sua natureza, tornam-se, apenas animais cativos.

E também prendem pessoas, amarram relacionamentos falidos, mas mantêm outras pessoas aprisionadas afetiva ou emocionalmente, negando sua essência humana de alma livre, e, se o outro resolve ir embora, morre nas mãos do “dono”.

Que raio de ser são esses humanos, que nascem tão incompletos, que precisam ter para conseguir ser???????