O menino das meias vermelhas – Carlos Heitor Cony

O nome dele era complicado, passou a primeira semana sem que ninguém o chamasse para brincar. Até que repararam que sempre usava meias vermelhas e ele ficou sendo o “menino das meias vermelhas”. Vivia pelos cantos, quase não falava, quase não existia. Apesar disso, não parecia infeliz. Era apenas solitário: era o Menino das Meias Vermelhas.

Um dia perguntaram: “Menino das Meias Vermelhas, por que você sempre usa meias vermelhas?” Ele respondeu como se não fosse com ele: “No dia dos meus anos, minha mãe levou-me ao circo e colocou-me meias vermelhas. Eu reclamei, com aquelas meias chamaria a atenção dos outros, todos zombariam de mim. Mas ela explicou: ‘É que lá vai ter muita gente, se eu me perder de você, olharei para baixo e será fácil encontrá-lo.’”

E todos os dias lá vinha o Menino das Meias Vermelhas com suas meias vermelhas, com seu silêncio, sua solidão, como se esperasse alguma coisa ou como se tudo já houvesse acontecido com ele. Ninguém dava mais importância ao menino nem às suas meias vermelhas. E era isso o que ele parecia desejar.

Sentava em cima de uma pedra, nos fundos do campo onde os outros jogavam pelada ou soltavam pipas. Até que veio a tarde de chuva e os meninos não puderam jogar pelada nem soltar pipas. Como distração, resolveram provocar o Menino das Meias Vermelhas.

“Você não está no circo! Tire essas meias vermelhas, elas são ridículas!”

O Menino das Meias Vermelhas não ficou aborrecido. Depois de algum tempo, falou, como se falasse consigo mesmo: “Eu vou continuar usando meias vermelhas. É que minha mãe foi embora. Um dia, talvez ela passe por mim em algum lugar, verá minhas meias vermelhas e me reconhecerá.”

O sol apareceu de repente e os outros meninos foram jogar pelada e soltar pipa. 

(Imagem: banco de imagens Google)

Poesia da casa (Memória) – Vulcão adormecido

Trouxe a poesia dentro de si:

Chegou mansamente e aqui ficou.

Pousou em meu peito com a leveza

De uma delicada borboleta

Que pousa em uma pétala de flor.

Coloriu meu dia e minha vida,

Até então sempre cinzentos;

Alegrou minha alma e meu caminhar

Que eram imersos em tantas tristezas.

Despertou toda a paixão latente

Como se fosse um vulcão adormecido

Que volta subitamente à vida.

Abriu as comportas do desejo,

E, desde então, acreditei que,

Encantados de tanto amor,

Seguiríamos sempre juntos.

Hoje, a saudade em forma de lágrimas

Inunda meu rosto com quentes gotas.

Saudade é privilégio de quem foi feliz

E esse sentimento, quando muito intenso,

Se liquefaz tal como magma em lava,

E esse vulcão, que então explodiu de paixão,

Volta à quietude de seu letárgico sono

E, novamente entorpecido, em sua ausência

Adormece triste e eternamente.

(Imagem: banco de imagens Google)

Dia de Poesia – Katia Chiappini – Último poema de amor

Senti o corpo estremecer

Veio o cansaço enluarado

Um pouco antes do alvorecer

Renasci acordando ao seu lado


Fixei seu vulto em minha mente

E a ternura do abraço sem par

E o apelo da pele envolvente

Trouxe você para o meu andar


Senti meus lábios tocados

E perfumados lençóis de cetim

Os sentimentos desvendados

E seu amor vindo para mim


Faça-se a luz e a luz foi feita

Assim falou o Criador

Faça-se o amor: quero a colheita

Colher você meu semeador


Quantas palavras vazias

Você falou sem pensar

Fazem parte de minha agonia

Imaginei que fosse me amar


Um pouco de ilusão e muito de sonho

Transformou o sentimento de mansinho

O meu amor não sei onde ponho

O tempo me mostrará o caminho


Eu quis tento ter querer

Mas você não me deu espaço

A desilusão me fez ver:

-Só eu o sentimento abraço


Você foi o melhor momento

Deu sentido ao verbo amar

Ficou com meu envolvimento

Fiquei com seu corpo no olhar

(Imagem: banco de imagens Google)

Dia de poesia – Hoeppner Dutra – Canção

Em meus dias meigos 
só de venturas, 
tu és o carinho. 

Em meu céu plúmbeo 
só de borrascas, 
tu és a bonança. 

Em meu desejo 
sempre a sonhar, 
tu és o beijo. 

Em minha vida 
só de silêncio, 
tu és a canção. 

Em meu ardor 
só de lirismo, 
tu és a divina. 

(Imagem: Nymphe endormie, quadro de Alphonse Osbert, banco de imagens Google)

Memória – Vou pular a fogueira, e você (20.06.2019)

Eu pedi numa oração / Ao querido São João

Que me desse um matrimonio / São João disse que não

São João disse que não / Isto é lá com Santo Antônio …

E junho chegou.

Festa para todo lado. No fundo o brasileiro gosta mesmo é dessas festas populares, quermesse na praça da Matriz, tudo genuíno, tudo de uma singeleza histórica ímpar.

Penso que todos conhecem essas típicas festas juninas, homenageando os três santos do mês: primeiro o casamenteiro Santo Antonio, que abre as festas no dia 13; depois São João, com a noite mais longa do ano, no dia 24 e finalmente vem São Pedro, no dia 29, fechando o mês e as festas com suas chaves.

Para quem é, mora, foi ou morou na roça, tudo isso tem um sabor especial.

Lá na roça a festa começa bem antes.

Escolhe-se o local, o terreno é aplainado – sem dança não é festa junina.

Faz-se o buraco da fogueira, que fogueira que se preza, fogueira de verdade não é do chão para cima, ela começa a ser montada lá no fundo e é de dentro do buraco que sai a armação que sustentará o fogo.

Estende-se o oleado – a não ser que já exista um bom barracão, daqueles de guardar tratores e máquinas, que então é desocupado e varrido, e nesse lugar ficará a mesa.

Não é uma mesa. Nem uma mesinha.

É uma respeitável mesa, compridíssima – geralmente uns quatro metros pelo menos, e é feita com pranchas de madeira sobre cavaletes, num improviso que se repete em todas as festas.

Cadeiras ao redor, algumas mesas de apoio, tudo simples, tudo bonito, enfeitado com flores e ramos, sem maiores gastos.

As lâmpadas – ou lamparinas de querosene, depende das instalações, são providenciadas.

O mastro.

A madeira para a fogueira é cortada e durante algum tempo os homens terão uma folga. A não se que queiram montar balões.

As crianças recebem a tarefa de recortar e colar no barbante milhares de bandeirinhas coloridas, que depois os homens estenderão e pregarão sobre o local da festa.

As mulheres, na cozinha, preparam a comida. E que comida! E que fartura!

Um bom caldo – de preferência uma canja feita com o galo velho do terreiro, porque o frio é intenso.

E além de bolachinhas diversas, pé-de-moleque, paçoca, cuscuz, milho assado, frangos (que nunca faltam na roça), arroz-doce, canjica, curau, pipoca, pamonha, bolo de milho, amendoim torrado, maçã caramelizada – a deliciosa maçã do amor, pinhão e, o que não pode faltar, o quentão, e, modernidade, o vinho quente com especiarias.

As roupas são preparadas com todo o cuidado.

A fogueira é acesa um pouco antes para estar bonita quando os convidados chegarem.

E chega a hora da festa. A vizinhança vai chegando, muitos pratos são trazidos para aumentarem a fartura à mesa, casais vão se formando e outros, já vem formados, a maioria se separa: homens para um lado, conversando assuntos da roça e mulheres do outro, trocando receitas e olhando as crianças.

A festa começa com a reza do terço – geralmente o padre já está no local, de batina e tudo.

Depois o mastro é levantado. Começa a diversão. O Santo do dia é homenageado.

E então entra em cena o sanfoneiro. Não existe festa junina sem sanfoneiro. Podem inventar televisão, vídeo-cassete, DVD, vitrola, toca-discos, CD Player, Home Theater, nada anima uma autêntica festa junina. Mas, no primeiro chorado do acordeom, o sanfoneiro põe fogo no recinto.

As músicas – ainda que sempre as mesmas, divertem e todos conhecem as letras.

Muitas vezes tem o casamento, geralmente o noivo só entra no recinto depois da noiva e com o pai e os irmãos desta armados com espingardas escoltando o “feliz” nubente.

Dança-se a quadrilha – arremedo dos minuetos franceses de outros séculos, porém mais divertida.

É balão subindo, é criança correndo com bombinhas para se assustarem na brincadeira, é rojão quase derrubando os dorminhocos das cadeiras.

No final tem padre dançando, idosos cantando, todos se divertindo numa confraternização saudável e tradicional.

Nestas ocasiões fica mais que comprovado que alegria é contagiante.

E, depois de bastante quentão servido, tem outra diversão: pular a fogueira. Em criança eu ficava apavorada ao ver os homens dando a corridinha e saltando por sobre o fogo.

Depois de grande, quando talvez até arriscasse eu mesma pular uma fogueira, não tem mais fogueira de São João, nem de São Pedro, nem de Santo Antonio.

Mas um dia – quem sabe – encontro os três juntos lá para onde eu for, e aí pularei quantas fogueiras quiser.

(Imagem: banco de imagens Google)

Texto de Luis Miguel

Nem toda a mulher é “maluca”, mas, sem dúvida, as mais interessantes são…
São “malucas”o suficiente para serem elas mesmas…
São “malucas” o suficiente para darem ar à sua essência, mandando às malvas o julgamento alheio…
São “malucas” o suficiente para, assim do nada, abraçarem quem amam independentemente da hora, só porque sim, com aquela espontaneidade própria de quem ama e se sente feliz!
São “malucas” o suficiente para não deixarem para amanhã o que podem dizer ou fazer hoje…
Essa mesma “loucura” dá-lhes a perfeita noção de que o momento é sempre agora, e a perfeita consciência de que o amanhã, é a nossa maior incerteza de hoje…
São “malucas” o suficiente para ignorarem tudo aquilo que em nada as acrescenta, deixando o coração livre somente para os bons sentimentos, aqueles sentimentos que vão transbordar na curva mais bonita do corpo de qualquer mulher:
O seu sorriso !
São “malucas” o suficiente, acima de tudo, para darem voz e forma ao que lhes vai na alma e no coração, tendo a plena consciência que vivem num mundo onde, dar voz ao coração, se tornou algo digno disso mesmo, de gente “maluca”…

(Imagem: banco de imagens Google)