Hoje trago um texto de Humberto de Campos, que considero interessante…
O burro filósofo
Olhando a campina imensa, que se estendia diante dos seus olhos resignados, trocavam ideias, naquela tarde, entre as cercas daquele pequeno quintal da fazendo, um cavalo e um burro.
– Não sei porque – dizia este – mas eu gosto desta prisão. Aqui eu tenho tudo: palha, repouso, água e, uma vez ou outra, o pequeno esforço de uma viagem, que nem ao menos me fatiga.
– Pois eu – opinou o cavalo, mastigando um punhado de capim, que lhe dançava na queixada – eu não penso assim, dessa maneira. Para mim, o essencial é essa ventura de correr pelas campinas, medindo, com as minhas patas, a extensão das várzeas enormes…
– São opiniões… replicou humildemente o burro
– E cada um deve respeitar as opiniões alheias… tornou o cavalo.
Momentos depois, entrou no curral um homem calçando botas de montaria. Trazia na mão um rebenque. Chegou, meteu um cabresto na cabeça do cavalo, puxou-o para fora, selou-o, montou-o e partiu.
À tarde, continuava o burro a comer a sua palha, quando o cavalo entrou no curral. Vinha suado, cansado, humilhado.
– Foste passear? – perguntou-lhe o asno.
– Fui. Dei umas voltazinhas por aí.
– E que tal?
– Excelente. A campina estava tão bonita…
– Foste até a lagoa?
– Não; não pude.
– Por que?
– Ora, por que? Porque o homem que ia montado, puxava a todo o momento, as rédeas, dando-me direção inteiramente contrária àquela que eu pretendia.
O burro soltou um relinchozinho perverso e disse:
– Aí está em que um cavalo se parece com um homem. A liberdade é seu sonho; e, no entanto, quando se diz livre, é exatamente quando mais sofre a tirania do cabresto, do rebenque e da espora!
E baixou a cabeça filosoficamente sobre o monte de palha.
(Humberto de Campos)